1. VIAGEM À CIDADE (DO RIO DE JANEIRO) – A ida ao Centro, lá pelos anos 40, era um acontecimento e tinha três tempos bem distintos: primeiro, a viagem de ida e volta, muito divertida e sempre com muitas novidades pelo caminho; depois, as compras, o que era geralmente enjoado para a criançada; ao final de tudo, a grande recompensa da aventura: o lanche ! Na Colombo ou na Manon, na Cavé ou na Lallet ou ainda o frapé de côco no Bar Simpatia, da Avenida Rio Branco. Uma delícia... Usávamos sempre o ônibus na ida à Cidade - era assim que chamávamos o Centro naquele tempo, aliás muito apropriadamente, porque Ipanema era apenas um arrabalde. Paradisíaco, mas arrabalde. O bonde era inviável, demorava muito, por causa das inúmeras paradas, sobrava pouco tempo para os afazeres. De ônibus eram 25 ou 30 minutos; de bonde, o dobro do tempo. Eu me lembro remotamente dos ônibus da Light, muito altos, com assentos de veludo vermelho, forrados por panos brancos. Mas os mais presentes na memória são o modesto 3, todo verdinho, e mais tarde o 12, o famoso Camões, esquisito, com uma reentrância na sua frente. Pelo caminho, havia muitas atrações. Ainda na Visconde Pirajá, na passagem pela Praça General Osório, tentar ver meu pai trabalhando e acenar para ele. Logo depois, dar adeus ao cinema Ipanema e ao meu Colégio Fontainha. Na Gomes Carneiro e Francisco de Sá, apreciar as novas construções e a abertura da futura rua entre Barão da Torre e Gomes Carneiro, a Antonio Parreiras, que ocupou o lugar de uma chácara maravilhosa, onde os sapotizeiros faziam a festa da garotada. Na Avenida N.S. de Copacabana, um monte de coisas interessantes, pois o bairro era muito mais adiantado que Ipanema. Cinemas Metro, Roxy, Ritz e Americano (um tremendo “poeira”); lojas Americanas, Banaflakes, Leco; praças (a do Lido era minha predileta, onde no Carnaval havia um baile infantil imperdível); o lindo Copacabana Palace. No Túnel Novo, no início, só havia uma pista, mas ao sair dele já se via o Campo do Botafogo. Mais adiante, à direita, o Hospício (depois a Reitoria da UFRJ) e logo adiante o Mourisco. O espetáculo noturno do Mourisco era um encantamento para a garotada, com aqueles anúncios móveis e coloridos de neon – especialmente a Água Salutaris caindo da garrafa para o copo e depois borbulhando. O anúncio do Vermute Cinzano era outro luminoso lindo. Ainda hoje, quando passo lá, já de noite, tenho saudades e lamento que o Rio tenha perdido aquele espetáculo que era uma de suas marcas registradas. Depois, vinha o Morro da Viúva e a casa da família Martinelli, misteriosa, com seu rendilhado de pura arte. A seguir, a Praia do Flamengo, uma estreita faixa de areia, encoberta quando o mar estava de ressaca e as ondas chegavam a atingir os ônibus que passavam na rua. Outro ponto alto estava logo adiante: eram os jardins da Glória, com os ficus metamorfoseados nos mais diferentes bichos - coelhos, elefantes, galinhas, girafas etc - obras de uma arte quase perdida, a topiaria, em que os jardineiros portugueses, maioria absoluta na PDF, eram mestres imbatíveis. Não sabem o que é PDF ? Mas estava em todas as placas: Prefeitura do Distrito Federal (PDF), o Rio de Janeiro era a Capital do Brasil ! Outra beleza dos jardins, digna de uma ida só para vê-las, eram as luzes coloridas, iluminando os inúmeros repuxos de vários formatos da Glória, em um espetáculo maravilhoso. O Palácio Monroe anunciava a chegada ao Centro. Ao fundo, a Torre da Mesbla e seu relógio balizavam o tempo disponível. No meu caso, de início tinha a visita à Tia Amélia, que era prima querida de minha mãe, pois ambas vieram juntas para o Brasil no mesmo navio, aos 18 anos de idade, saindo da mesma família, da mesma aldeia, com o mesmo destino de empregada doméstica em casas ricas do Rio de Janeiro. E agora, bem sucedidas, ambas tinham negócio próprio: a pensão da minha mãe era em Ipanema; a da Tia Amélia na Rua Santa Luzia, num sobrado em que ela também morava, com o marido, Manoel Ferreira, empregado da MESBLA, e sua filha Lurdes, com quem eu ficava brincando enquanto minha mãe matava as saudades e contava e ouvia as novidades na conversa com a prima. Eu gostava de ir à Rua Santa Luzia porque vários de seus sobrados abrigavam no andar térreo as garagens, sempre abertas, dos barcos das regatas a remo. Eram vários clubes: Vasco da Gama, Boqueirão Passeio, Santa Luzia, Internacional de Regatas e até o São Cristóvão, porque sua garagem no Bairro Imperial, perto da Avenida Brasil, já tinha ficado muito longe do mar. Os treinos eram no Calabouço, em plena Baía de Guanabara. O Morro do Castelo ainda existia parcialmente ali perto e minha mãe ia, às vezes, a um médico de cuja sala de espera eu via o morro sendo demolido aos poucos. O problema é que depois da visita à Santa Luzia começavam as intermináveis compras. O comércio da Zona Sul ainda era incipiente, mesmo em Copacabana, mais adiantada que Ipanema e principalmente que o Leblon, este ainda um grande areal, com casas dispersas e uma florescente favela (a Praia do Pinto). Às vezes, éramos protagonistas das compras: hora de experimentar o “tanque colegial” na DNB ou outros sapatos na Scatamacchia, ou provar roupas na Torre Eiffel da Rua do Ouvidor. Cá entre nós, pior sorte tinham os pequenos fregueses enfatiotados pela loja Príncipe – que “veste hoje o homem de amanhã”. Provar roupas, expressão adequada para aquela “provação” sem fim. Uma coisa impressionante é que de mãos dadas com minha mãe, eu passava frequentemente pelo Largo de São Francisco e invariavelmente ela apontava para um prédio enorme, imponente e dizia: - alí se formam os engenheiros e você, quando crescer, vai estudar alí também. E não é que eu fui parar lá mesmo ! E por vontade própria... Minha mãe seria vidente ? Quando ela declarava, finalmente, que as compras do dia estavam encerradas, aí começava o paraíso. Era a hora do lanche, o prêmio esperado após o sacrifício daquela andação toda. A confeitaria escolhida para o evento dependia geralmente do lugar onde as compras eram encerradas. As antigas confeitarias do Rio foram o refrigério da infância obrigada a acompanhar as mães nas compras, que variavam entre quinzenais ou mensais. A Casa Cavé completou 150 anos. A Manon, concorrente relativamente nova, só tem 70 anos de idade. Outra opção era a belíssima Confeitaria Colombo, ainda hoje um patrimônio maravilhoso de nossa Cidade, assim como a Lallet, outra que gozava de nossa preferência. Para ela e a Cavé, o gozador Emílio de Menezes, para acabar com as brigas dos proprietários, escreveu uma faixa de frente e verso com os seguintes dizeres: “Quem vem de cá vê e quem vem de lá lê”. Torradas de Petrópolis, chocolate, bolinhos diversos, coxinhas de galinha divinas, pastéis de nata, travesseiros de amêndoas, bolos-rei, pudins e refrescos diversos faziam a delícia daquelas tardes memoráveis. Um privilégio de quem foi criança no meu tempo ! Depois, já satisfeitos, era pegar os muitos embrulhos das compras e voltar para Ipanema. E quando o ônibus chegava à esquina da Rua Princesa Isabel com Nossa Senhora de Copacabana, nos dias de verão, gozar o frescor que vinha da praia e era o nosso ar refrigerado natural, um prazer que só a passagem pela porta do Metro Copacabana era capaz de imitar.
2.ENCONTRO DO MOBRAL COM UNESCO - Acabo de achar no GOOGLE um estudo antigo sobre o MOBRAL, realizado em meados da década dos 70 por uma missão da UNESCO. O longo estudo, elaborado quando eu era Presidente do MOBRAL, concluía que a instituição era um exemplo de sucesso a ser seguido em todo mundo. Foi a partir dessa avaliação que o MOBRAL passou a dar assistência técnica em Alfabetização e Educação Continuada a vários países (23 mais precisamente).. Os que tiverem curiosidade, pesquisem no GOOGLE “La experiencia brasileña de alfabetización de adultos - el MOBRAL” - Estudio preparado por la Oficina Regional de Educación de la Unesco para América Latina y el Caribe. Coincidência feliz ter achado esse documento às vésperas de mais um Encontro das pessoas que trabalharam na instituição e gostam de reencontrar seus antigos colegas e matar as saudades.
3.ANÃO DO ORÇAMENTO INCONSTITUCIONAL - Ibsen Pinheiro, anão do Orçamento, quer dar ao Rio um Orçamento anão, rasgando a Lei Magna e usurpando a compensação a que temos direito, pelo petróleo que produzimos. Será que a Branca de Neve vai deixar ?
terça-feira, 30 de março de 2010
quarta-feira, 24 de março de 2010
PARTO DIFÍCIL PARA METRÔ SEM ROYALTIES
1. METRÔ JÁ - Fui convidado e compareci à solenidade de início das obras da nova Linha 4 do metrô carioca, que ligará o Jardim Oceânico, onde moro, à Zona Sul da Cidade, integrando-se à malha existente. Obra que deveria ter começado nos anos 80, quando a Barra já era uma realidade palpável. Até 1981 trabalhei no Cosme Velho (no MOBRAL) e almoçava normalmente em casa, gastando 20 minutos no trajeto. Hoje, quem mora na Barra tem que fazer toda sua vida no próprio bairro, porque os congestionamentos de tráfego são cotidianos e ficamos a uma distância de uma hora e meia a duas horas do Centro. Em regra geral, nenhuma cidade que ultrapasse 1 milhão de habitantes consegue uma razoável qualidade de vida,especialmente para os mais pobres, sem um sistema abrangente de transporte de massa, sendo o metrô a solução secularmente consagrada em todo mundo. Sua primeira linha surgiu em Londres, em 1863, já lá se vão 150 anos ! A lista das pioneiras é longa: Chicago em 1892, Liverpool 1893, Glasgow 1896, Budapeste 1896, Paris 1900, Wuppertal 1901, Berlim 1902, Nova Iorque 1904, Hamburgo 1907, Newark 1908, New Jersey 1908, Madri 1919, Melboune 1919, Barcelona 1924, Tóquio 1927, Osaka 1933, Moscou 1935, Filadelfia 1936. Ônibus, certamente, é a solução mais inadequada para uma cidade do tamanho da nossa, mas persistimos há muito tempo no erro. A origem dessa escolha esdrúxula está na chamada “opção rodoviarista” de Juscelino, mais um dos equívocos do Presidente mineiro, que reduziu os investimentos nas ferrovias a zero, com a total deterioração da malha existente e renunciou a qualquer nova implantação. Abandonamos, sem planejamento, a economicidade, a segurança e o inegável valor desse tipo de transporte na consolidação de nossa infraestrutura, hoje bastante deteriorada e comprometendo a competividade de nossos produtos de exportação. Em 1959 fui a Paris, jogar a Petite Coupe du Monde (Tournoi des Trois Continents) pela Seleção Brasileira de Voleibol. Ficamos hospedados, como as demais Delegações estrangeiras (União Soviética, Tchecoslováquia, Romênia, Hungria, Polônia, China) na Cité Universitaire Jean Zay, em Antony, subúrbio situado longe do Centro de Paris. Depois do Mundialito, ainda fiquei alguns dias na cidade. Mas mesmo quando estava jogando quase todos os dias pude usufruir dos encantos de Paris, graças ao seu magnífico sistema de transportes. Antony era servida pelos trens da Ligne de Sceaux que nos levava a Denfert Rochereau, com baldeação para o Metropolitain e acesso imediato à Cidade Luz. Hoje, a jornada ficou mais simples ainda e não é mais necessária a baldeação em Denfert. Eu era estudante de Engenharia Civil e entendi desde logo o valor do Metrô nas megalópoles, especialmente para a população que mora longe do trabalho. É surpreendente que nossos gestores públicos - que tanto viajam - não tenham descoberto isso antes. A falta de transporte, combinada ao deficit habitacional e à baixa renda per capita, acaba resultando na tendência à favelização da população carente e caso não haja providências saneadoras das autoridades o fenômeno se torna irreversível. Da favelização surgem progressivamente a desordem urbana, a ocupação de espaços pelo narcotráfico, a violência e a metástase urbana. Tudo isso respaldado na hipocrisia dos governantes – “favela não se remove, se urbaniza”, diziam os demagogos que nos conduziram à situação calamitosa atual. Em resumo, o metrô é uma prioridade óbvia, mesmo sendo cara a curto prazo, porque as economias que acarreta são muitíssimo maiores e os benefícios sociais espetaculares. Só não fiquei para os discursos da solenidade de sábado, porque saí quando o atraso das autoridades esperadas atingiu 60 minutos. A maioria de nossos políticos não respeita horários nos eventos. Talvez lhes pareça ser um indicador de poder ou de estar trabalhando muito. Quanto mais atrasado, mais poderoso e ocupado... Será ? Acabam se habituando ao atraso e só descobrem o óbvio com muitos anos de retardo. Foi o caso do metrô carioca, certamente.
2. INCONSTITUCIONALISSIMAMENTE – Energia elétrica e petróleo são análogos e têm ICMS pago no Estado consumidor, ao contrário dos demais bens. Os Estados produtores não vêm a cor do tributo. Não se informa à opinião pública que há cerca de 20 anos vigora legislação dispondo sobre os royalties a que têm direito os Municípios cujas terras são inundadas para formar os reservatórios das usinas hidrelétricas. Trata-se de uma compensação mensal, que está sendo recebida pelas Prefeituras e que é função do faturamento com a venda da energia produzida e do tamanho da área do Município que foi inundada. Uma “pegadinha” dos meus tempos de adolescente era perguntar qual a maior palavra da língua portuguesa. INCONSTITUCIONALISSIMAMENTE ! E assim todos aprendemos esse palavrão que define muito bem a emenda do pequeno Ibsen para subtrair a compensação a que o Rio de Janeiro tem direito pela sua produção de 80% do petróleo brasileiro. Henrik Johan Ibsen foi um gigante da dramaturgia norueguesa do século XIX, pioneiro respeitadíssimo do teatro realista. E não é que o nosso pequeno Ibsen, com aquela voz empostada, teatral, e que agora nos atormenta com sua emenda eleitoreira e fratricida, foi tema (retardado) do homônimo. Em 1882, Henrik Johan Ibsen lançou sua obra de maior destaque, intitulada "O INIMIGO DO POVO", onde dissecou a miséria moral da sociedade, através do conflito entre o interesse público e a verdade. Homenagem premonitória ao homônimo ??? Caso o esbulho ao Rio de Janeiro se concretize, o metrô carioca descarrila e o pacto federativo vai para o limbo. Já tem gente até falando em secessão, República de Ipanema, Rio na OPEP e outras loucuras mais...
3. PARTEIRAS – O programa GLOBO RURAL, uma das boas coisas de nossa televisão, fez uma excelente matéria sobre as parteiras de nosso País, que ainda atuam aos milhares, gratuitamente, em especial nas zonas rurais do Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Na década dos 70 o MOBRAL, sempre pioneiro, preocupou-se com a qualificação desse exército de beneméritas anônimas, utilizando o seu Programa de Educação Comunitária para a Saúde (PES) de modo a ampliar seus conhecimentos e aperfeiçoá-las para o exercício de sua nobre missão. Vários Encontros de Parteiras foram realizados e Associações e Grupos Comunitários foram formados para dar continuidade ao trabalho. Ação semelhante de integração social ocorreu com os Encontros e Grupos Comunitários de Rezadeiras e Benzedeiras, de Profetas do Sertão (que preveem fenômenos climáticos), de Carroceiros Urbanos, de Prostitutas etc etc. O MOBRAL levou o mundo oficial a valorizar esses profissionais marginalizados.
4. MUITAS ÁGUAS JÁ ROLARAM – No Dia Mundial da Água lembrei-me que em 1967/68 tentei sensibilizar a Direção do IPEA para que criasse um Setor de Recursos Naturais. Essa iniciativa colocaria nossas questões ambientais na ordem do dia, com décadas de avanço em relação ao que acabou acontecendo no Brasil. Levei o Presidente do IPEA, João Paulo dos Reis Veloso, para almoçar no Restaurante Astrodome com José Cândido de Carvalho – então o maior conhecedor de nossas flora e fauna - e Nilton Veloso, brilhante especialista brasileiro que dirigia a Divisão de Recursos Hídricos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Eu já os convencera a se juntarem ao IPEA, mas não consegui o aval de Reis Veloso. Para ele, o Brasil era muito rico em recursos naturais e o tal Setor seria supérfluo. Hoje, lamentamos não ter acordado a tempo para a Ecologia e toda sua problemática. A falta de estadistas em nosso País é crônica...
2. INCONSTITUCIONALISSIMAMENTE – Energia elétrica e petróleo são análogos e têm ICMS pago no Estado consumidor, ao contrário dos demais bens. Os Estados produtores não vêm a cor do tributo. Não se informa à opinião pública que há cerca de 20 anos vigora legislação dispondo sobre os royalties a que têm direito os Municípios cujas terras são inundadas para formar os reservatórios das usinas hidrelétricas. Trata-se de uma compensação mensal, que está sendo recebida pelas Prefeituras e que é função do faturamento com a venda da energia produzida e do tamanho da área do Município que foi inundada. Uma “pegadinha” dos meus tempos de adolescente era perguntar qual a maior palavra da língua portuguesa. INCONSTITUCIONALISSIMAMENTE ! E assim todos aprendemos esse palavrão que define muito bem a emenda do pequeno Ibsen para subtrair a compensação a que o Rio de Janeiro tem direito pela sua produção de 80% do petróleo brasileiro. Henrik Johan Ibsen foi um gigante da dramaturgia norueguesa do século XIX, pioneiro respeitadíssimo do teatro realista. E não é que o nosso pequeno Ibsen, com aquela voz empostada, teatral, e que agora nos atormenta com sua emenda eleitoreira e fratricida, foi tema (retardado) do homônimo. Em 1882, Henrik Johan Ibsen lançou sua obra de maior destaque, intitulada "O INIMIGO DO POVO", onde dissecou a miséria moral da sociedade, através do conflito entre o interesse público e a verdade. Homenagem premonitória ao homônimo ??? Caso o esbulho ao Rio de Janeiro se concretize, o metrô carioca descarrila e o pacto federativo vai para o limbo. Já tem gente até falando em secessão, República de Ipanema, Rio na OPEP e outras loucuras mais...
3. PARTEIRAS – O programa GLOBO RURAL, uma das boas coisas de nossa televisão, fez uma excelente matéria sobre as parteiras de nosso País, que ainda atuam aos milhares, gratuitamente, em especial nas zonas rurais do Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Na década dos 70 o MOBRAL, sempre pioneiro, preocupou-se com a qualificação desse exército de beneméritas anônimas, utilizando o seu Programa de Educação Comunitária para a Saúde (PES) de modo a ampliar seus conhecimentos e aperfeiçoá-las para o exercício de sua nobre missão. Vários Encontros de Parteiras foram realizados e Associações e Grupos Comunitários foram formados para dar continuidade ao trabalho. Ação semelhante de integração social ocorreu com os Encontros e Grupos Comunitários de Rezadeiras e Benzedeiras, de Profetas do Sertão (que preveem fenômenos climáticos), de Carroceiros Urbanos, de Prostitutas etc etc. O MOBRAL levou o mundo oficial a valorizar esses profissionais marginalizados.
4. MUITAS ÁGUAS JÁ ROLARAM – No Dia Mundial da Água lembrei-me que em 1967/68 tentei sensibilizar a Direção do IPEA para que criasse um Setor de Recursos Naturais. Essa iniciativa colocaria nossas questões ambientais na ordem do dia, com décadas de avanço em relação ao que acabou acontecendo no Brasil. Levei o Presidente do IPEA, João Paulo dos Reis Veloso, para almoçar no Restaurante Astrodome com José Cândido de Carvalho – então o maior conhecedor de nossas flora e fauna - e Nilton Veloso, brilhante especialista brasileiro que dirigia a Divisão de Recursos Hídricos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Eu já os convencera a se juntarem ao IPEA, mas não consegui o aval de Reis Veloso. Para ele, o Brasil era muito rico em recursos naturais e o tal Setor seria supérfluo. Hoje, lamentamos não ter acordado a tempo para a Ecologia e toda sua problemática. A falta de estadistas em nosso País é crônica...
quinta-feira, 18 de março de 2010
VOLTA AO BRASIL COM MAR DE ALMIRANTE
1. MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM (Final) – A última parada da viagem com minha mãe foi o Porto, para visitar Tia Maria José Castro, sua irmã que morava com o marido, Tio José, na tradicional Rua das Fontainhas, área de moradias populares, famosa pelos festejos grandiosos e imemoriais do dia de São João (24 de junho). A data é, para o Porto, o que o Santo Antonio (13 de junho) representa para Lisboa e o Carnaval (data móvel) para o Rio de Janeiro. Os festejos já eram referenciados no século XIV. A literatura registra que nas Fontainhas, por volta de 1834, o São João era celebrado com a maior animação popular que criou fama, dando origem a que se deslocassem para ali diversos grupos, “com roupas festivas, cantos e balões dependurados em ramos, numa afluência de gente ida de todos os cantos do Porto para se divertir e comemorar o santo.” Estávamos lá na festa de 1946 e meu pai repetiu nossa visita aos meus tios, nas Fontainhas, no São João de 1952. Na volta confirmou-nos que era uma “festa de arromba” e que a assistiu “de camarote”, da casa dos cunhados. Jamais voltei. Anos mais tarde, todas casinhas foram demolidas, quando da reurbanização da área para construir a Ponte do Infante (em honra do portuense Infante D. Henrique), ligando o bairro das Fontainhas (no Porto) à Serra do Pilar (em Vila Nova de Gaia). No Porto minha mãe me levou a algumas adegas e ourivesarias. Lembro-me bem do nosso embarque para o Brasil, logo depois das festas. Foi em Leixões, porto artificial construído no fim do século XIX e que fica em Matosinhos, uns 5 quilômetros a norte da Foz do Rio Douro. Viajamos em um navio de passageiros brasileiro, do Lóide, o Almirante Jaceguay, em primeira classe, bastante confortável, mesmo nos 21 longos dias de travessia até o Porto do Rio de Janeiro. Recordo que certa noite o barco parou, ao largo, em Dakar e que canoas com vários homens se acercaram do navio pedindo dinheiro. As moedas jogadas, se caíam no mar, eram apanhadas por aqueles mergulhadores improvisados lá no fundo escuro e mostradas aos turistas – o que me impressionou bastante. Durante a viagem brincava muito com a Iris, uma menina lourinha, da minha idade, filha de um diplomata que foi surpreendido pela guerra servindo, creio, como Cônsul na Alemanha. Minha mãe dizia que os pais de Iris, que a acompanhavam, eram de uma família ilustre de diplomatas, mas infelizmente não recordo do sobrenome. Nosso navio também comemorou a passagem do Equador mas aí eu já era um veterano, com certificado e tudo. Passamos nas proximidades da ilha de Fernando de Noronha, muito bonita. Um grande dia foi o da escala em Recife. Ao descer com minha mãe, ainda no cais, ela comprou uma melancia e alguns sapotis, que comemos com grande prazer, comemorando a volta aos trópicos. Para minha mãe, não havia nenhuma dúvida de que o Brasil tropical era a sua terra para o resto da vida. Tínhamos deixado Leixões a 26 de junho e chegamos ao Rio de Janeiro em 20 de julho de 1946, com uma bagagem bastante aumentada por incontáveis latas de azeite, de embutidos imersos em banha e inúmeras garrafas de vinho tinto e branco, verde e maduro. Ipanema me esperava, em especial o Colégio Fontainha, após 3 meses sem aulas, o que significava muito estudo pela frente, para recuperar o tempo passado naquela maravilhosa aventura ultramarina.
2. ECONOMIA EXIGE QUALIFICAÇÃO EM CURSOS RÁPIDOS – A inflação está em alta e as crescentes despesas correntes do Governo Federal assustam os analistas. São problemas que certamente precisam ser equacionados com presteza. Mas há uma outra prioridade que ganha força neste momento: a qualificação profissional que se faz em cursos curtos, pragmáticos, para atender às exigências mais urgentes do mercado de trabalho. A explicação está nos mais recentes dados econômicos, que sustentam a previsão otimista para o crescimento do PIB acima de 5% e que, além disso, mostram a expansão acelerada da demanda de mão de obra. Fevereiro, principalmente quando o Carnaval cai nesse mês, reduz a arrecadação da União e inibe a admissão de novos empregados, especialmente na Indústria, por ser muito curto, com menos de 20 dias produtivos. Apesar disso, a arrecadação federal chegou a R$ 53,5 bilhões e foi registrada excepcional geração de empregos: no Brasil todo. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego, 209.425 postos de trabalho foram criados. Somando com janeiro, já são 390.844 novas vagas neste ano - ótimo resultado , especialmente quando comparado com 2009 que, no mesmo período, ao contrário, registrou a destruição de 92 mil empregos. As maiores contratações de fevereiro foram em Serviços (85.607), Indústrias de Transformação (63.024) e Construção Civil (34.735), mas todos os setores e subsetores de atividade econômica contrataram. A urgência da Indústria e da Construção Civil em empregar são indicadores seguros do crescimento acelerado nessas áreas. Dessa forma, é preciso qualificar trabalhadores para o preenchimento das vagas que estão surgindo e que podem somar algo superior a 1,8 milhão de empregos novos no mercado formal. O problema mais sério a resolver é que a escolha desses cursos não é guiada pela demanda de qualificações em falta no mercado. Repetem-se os cursos que vêm sendo ministrados nos últimos anos, o que nem sempre atende às novas necessidades do setor produtivo. Falta um planejamento mais detalhado para o nosso mercado de trabalho, outra prioridade urgente.
3. LIBERDADES INDIVIDUAIS EM PERIGO – Sofri muito ao ver uma policial arrancar à força, dos braços de uma jovem mãe cigana, sua filha de um ano. A mãe, que vendia doces e bugigangas nas ruas de Jundiaí, recebeu ordem judicial para que a menina fosse internada e dela afastada. Terrível ! Fato com muitos pontos dolorosos de coincidência foi outra decisão recente, em que a Justiça de Timóteo (MG) condenou pais que retiraram seus dois filhos adolescentes da escola, para receberem ensino em casa, prática usual em vários países ("homeschooling"). Todos nós devemos refletir detidamente sobre esses dois episódios que limitam profundamente nossas liberdades individuais.
2. ECONOMIA EXIGE QUALIFICAÇÃO EM CURSOS RÁPIDOS – A inflação está em alta e as crescentes despesas correntes do Governo Federal assustam os analistas. São problemas que certamente precisam ser equacionados com presteza. Mas há uma outra prioridade que ganha força neste momento: a qualificação profissional que se faz em cursos curtos, pragmáticos, para atender às exigências mais urgentes do mercado de trabalho. A explicação está nos mais recentes dados econômicos, que sustentam a previsão otimista para o crescimento do PIB acima de 5% e que, além disso, mostram a expansão acelerada da demanda de mão de obra. Fevereiro, principalmente quando o Carnaval cai nesse mês, reduz a arrecadação da União e inibe a admissão de novos empregados, especialmente na Indústria, por ser muito curto, com menos de 20 dias produtivos. Apesar disso, a arrecadação federal chegou a R$ 53,5 bilhões e foi registrada excepcional geração de empregos: no Brasil todo. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego, 209.425 postos de trabalho foram criados. Somando com janeiro, já são 390.844 novas vagas neste ano - ótimo resultado , especialmente quando comparado com 2009 que, no mesmo período, ao contrário, registrou a destruição de 92 mil empregos. As maiores contratações de fevereiro foram em Serviços (85.607), Indústrias de Transformação (63.024) e Construção Civil (34.735), mas todos os setores e subsetores de atividade econômica contrataram. A urgência da Indústria e da Construção Civil em empregar são indicadores seguros do crescimento acelerado nessas áreas. Dessa forma, é preciso qualificar trabalhadores para o preenchimento das vagas que estão surgindo e que podem somar algo superior a 1,8 milhão de empregos novos no mercado formal. O problema mais sério a resolver é que a escolha desses cursos não é guiada pela demanda de qualificações em falta no mercado. Repetem-se os cursos que vêm sendo ministrados nos últimos anos, o que nem sempre atende às novas necessidades do setor produtivo. Falta um planejamento mais detalhado para o nosso mercado de trabalho, outra prioridade urgente.
3. LIBERDADES INDIVIDUAIS EM PERIGO – Sofri muito ao ver uma policial arrancar à força, dos braços de uma jovem mãe cigana, sua filha de um ano. A mãe, que vendia doces e bugigangas nas ruas de Jundiaí, recebeu ordem judicial para que a menina fosse internada e dela afastada. Terrível ! Fato com muitos pontos dolorosos de coincidência foi outra decisão recente, em que a Justiça de Timóteo (MG) condenou pais que retiraram seus dois filhos adolescentes da escola, para receberem ensino em casa, prática usual em vários países ("homeschooling"). Todos nós devemos refletir detidamente sobre esses dois episódios que limitam profundamente nossas liberdades individuais.
quinta-feira, 11 de março de 2010
MAIS POBRES E MAIS VELHOS NA ALDEIA DECADENTE
1.PIB NEGATIVO, POVO MAIS POBRE – No texto deste blog intitulado “Ritual Macabro de Verão” (3/1/10), previ que o PIB do Brasil em 2009 iria diminuir em 0,2%. O IBGE divulgou agora os cálculos respectivos, mostrando que o PIB/2009 decresceu exatamente 0,2%: a Agricultura (-5,2%) e a Indústria (-5,5%) tiveram queda, salvando-se o setor de Serviços, que cresceu + 2,6%. Como a população aumenta à taxa anual de 0,99%, o IBGE concluiu que a renda per capita foi reduzida em 1,2% em 2009. De qualquer forma, ressalte-se que o resultado da economia brasileira foi dos menos piores a nível mundial e os dados do PIB no último trimestre do ano passado permitem otimismo em relação à performance esperada para 2010.
2.CENTROS DE CONVIVÊNCIA PARA IDOSOS – Uma prioridade evidente nos nossos grandes centros urbanos, com elevada concentração de pessoas da terceira idade, seria a implantação de unidades comunitárias onde os idosos pudessem ficar durante todo o dia, realizando atividades diversas com a assistência de cuidadores e onde receberiam ao menos uma refeição completa. A finalidade dessas unidades seria contribuir para a manutenção dos idosos no seu meio sócio-familiar, com todas as vantagens psicológicas, econômicas e sociais que essa inserção natural possibilita. Muitos idosos são internados em asilos porque seus familiares não podem cuidar deles, por força de seus afazeres profissionais. O investimento nesses centros seria uma solução relativamente barata, já que os próprios velhos assistidos se entreajudariam, o que minimizaria a utilização de profissionais. O fato de estarem juntos, em uma instituição comunitária, eliminaria a necessidade de maiores esforços de supervisão, que seria feita naturalmente pela própria clientela, seus parentes e vizinhos. Dentre as capitais brasileiras, o Rio de Janeiro é a que apresenta a maior proporção de população idosa. No Censo do ano 2000, as pessoas com 60 anos e mais representavam 12,8% da população carioca, enquanto, na média nacional, essa faixa etária não ultrapassava 8,6%. Como a própria Secretaria Municipal carioca reconhece, “muitas doenças da terceira idade estão relacionadas à depressão e à solidão. Isto pode ser acentuado pelo fato de no Rio de Janeiro, a proporção de mulheres idosas ser muito superior à de homens. Entre as mulheres idosas, predominam as viúvas... A família, cada vez menor e com a participação elevada de mulheres no mercado de trabalho, também fica sobrecarregada com as necessidades dos idosos”. Desse modo, a disseminação desses Centros poderia começar pelas áreas carentes da Cidade do Rio de Janeiro. Uma boa idéia seria fazê-lo imediatamente nas Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs já implantadas nas favelas das zonas sul e oeste.
3.MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM (III) – Deixando Oliveira de Barreiros, munha mãe e eu pegamos um ônibus em Viseu rumo a Lamego e saltamos em Moimenta da Beira. Daí, em táxi, atravessando o Rio Távora, afluente do Douro, pela ponte romana do século I - que ainda estava de pé, pois não haviam construído a Barragem do Vilar - chegamos a Fonte Arcada . subindo uma estrada tortuosa. A acolhida na aldeia foi calorosa. Além dos meus velhos avós maternos (António Castro e Rosa de Jesus), conheci tias e primos, em meio a muitos risos e lágrimas, bem à moda portuguesa. Ficamos hospedados na casa onde nasceu minha mãe, com dois andares, ao estilo da aldeia: no primeiro andar - denominada loja – ficavam a adega e os animais da família, a qual morava nos andares superiores. Prática adotada para proteger os bichos do rigoroso inverno, mas com os inconvenientes que essa coabitação acarretava. Claro que para mim, um garoto citadino, aquele cheiro onipresente de curral era um tremendo incômodo. A vida de meus avós era muito dura e regulada pelas estações do ano e pelo horário solar, como usual nas zonas agrícolas. O casal tivera 7 filhas e nenhum filho homem – um desastre para uma família rural do início do século XX, que precisava de braços para trabalhar a terra, o que se fazia na base da enxada, da foice, do machado e do arado puxado por bois, sem qualquer outro implemento agrícola ou mecanização. Reproduziam ainda então o que já faziam há meio século, só que agora sem o peso das filhas a sustentar. Nos meses menos frios, trabalhavam de sol a sol na agricultura, nas poucas terras que possuíam, cultivadas intensivamente e situadas relativamente longe da aldeia. Também tinham alguns animais, para transporte e trabalhos agrícolas, além da produção de leite, carne e lã. Fabricavam um pouco de azeite e vinho. Com o trigo e o centeio faziam o pão de cada dia. Tudo para consumo próprio, para sobreviver. Praticamente não havia excedentes para vender e transformar em dinheiro, de modo a satisfazer outras necessidades da família. Do pequeno campo de linho – de um verde lindíssimo, gravado até hoje na minha memória – extraiam a fibra vegetal que fiavam e teciam, assim como faziam com a lã das suas ovelhas. Eram os materiais básicos para fabricar algumas de suas roupas (grossos suéters e meias de lã, para resistir ao frio), panos de cozinha, mantas, toalhas e colchas. As técnicas de crochê, bordado, tricot e costura eram dominadas desde cedo pelas moças da casa. Da matança anual dos porcos saía a carne para o consumo imediato, além daquela que seria salgada ou defumada (para os embutidos, que os portugueses chamam de enchidos), de modo a durar pelo resto do ano, especialmente no período de inverno. Moiras (que eu adoro e quase não mais existem, mesmo em Portugal), chouriças, salpicões, morcelas, paios, alheiras, tudo era fabricado em casa e com sabor divinal ! Fiar, tecer, costurar, bordar, fazer crochê, salgar e defumar carnes e fabricar pães e embutidos, essas as principais fainas do inverno. Já se distanciara muito o tempo em que os antepassados dos Castro eram os Senhores da aldeia (de 1530 a 1605 os Castros foram Senhores de Fonte Arcada, sendo o primeiro deles D. Álvaro Fernandes de Castro, filho de D. João de Castro, quarto vice-rei da Índia). No após-guerra, aquela era uma zona rural muito deprimida, decadente, abandonada pelo poder público. Só meio século mais tarde vim a entender o que lhe acontecera, ao conhecer um engenheiro e historiador português que fora criado em Fonte Arcada e que encontrei na internet, ao buscar no Google, em um Dia de Páscoa, algum material sobre a aldeia de minha mãe. Fernando C. Quintais, que escreveu “A Fonte das Recordações”, sobre sua infância em Fonte Arcada, contou-me que a aldeia era um reduto da monarquia absolutista, por força de suas origens imemoriais, já que pertencera a Egas Moniz e depois a Inês de Castro, Rainha de Portugal. Com o aumento do poder político do liberalismo no século XIX e com a vitória dos republicanos, em 1910, os recursos governamentais passaram a ser canalizados para Sernancelhe, reduto dos vencedores e Fonte Arcada, outrora importante, perdeu status e prestígio, mergulhando na recessão. Imagino que quando minha mãe era jovem, seu pai António não tinha como manter a família de nove bocas e poucos braços. Minha mãe veio para o Brasil em 1929, aos 18 anos de idade, fugindo da pobreza com que convivia inconformada. E voltava a Fonte Arcada 17 anos depois de partir, quando seus pais já viviam um pouco melhor, mas ainda nos padrões médios das pobres comunidades rurais do Portugal salazarista. Logo nos primeiros dias após nossa chegada, houve uma festa em nossa homenagem e lembro que fui um dos encarregados de descer periodicamente à adega e encher os copos de vinho dos convidados. Claro que eu também bebia um pouquinho a cada descida e a soma desses pouquinhos resultou em sono profundo em meio à festa. Meu avô continuava trabalhando diariamente nas suas terras, enquanto estávamos lá. Saía cedinho e voltava quando já estava escurecendo. Umas duas vezes fui encarregado de levar-lhe a merenda – uma refeição feita no meio da manhã – e o almoço. Era longe, mas me colocavam na burra da família, davam-lhe um tapa na anca, diziam-lhe qualquer coisa e lá ia ela, direitinho, sem parar, durante quase uma hora, até avistarmos meu avô. Aquilo, para mim, era o máximo ! E se eu tentava mudar seu caminho, a burra empacava até que eu desistisse... e seguia para o lugar certo. O GPS dela era bem melhor que o meu...Na volta era igual: um tapa na anca, um grito e ela chegava à casa dos meus avós direitinho...Lembro ainda de ir à fonte – que dava nome à aldeia - onde as mulheres, quase todas vestidas de preto, de luto fechado, se abasteciam de água potável para suas famílias. Água que enchia grandes cântaros, transportados sobre suas cabeças. Outra recordação forte foi do dia da partida... Saímos de casa em carro de aluguel ainda no escuro e chegamos, ao amanhecer, a um largo com muitas barracas e umas poucas luzes, na junção com outra estrada maior. Era um grande acampamento de ciganos na entrada de Moimenta da Beira e minha mãe, cautelosa, pediu que o motorista do táxi esperasse até que chegasse o nosso ônibus de carreira e embarcássemos. Os ciganos – por preconceito ou por força da realidade – eram mal-afamados e minha mãe temia que alguma coisa errada nos acontecesse. Tive muito medo até que o ônibus chegou e partiu em paz. A Fonte Arcada do após-guerra deixou-me a impressão de pobreza, de condições duríssimas de vida... Era parte daquele Portugal dos emigrantes à força, empurrados pela fome e pela miséria....Mas é conveniente enfatizar que hoje Fonte Arcada é considerada uma das mais lindas aldeias de Portugal, por causa de seu majestoso patrimônio arquitetônico (ver FONTE ARCADA in “As Mais Belas Vilas e Aldeias de Portugal”, pág. 82, Editorial VERBO, Lisboa, junho de 1996).
2.CENTROS DE CONVIVÊNCIA PARA IDOSOS – Uma prioridade evidente nos nossos grandes centros urbanos, com elevada concentração de pessoas da terceira idade, seria a implantação de unidades comunitárias onde os idosos pudessem ficar durante todo o dia, realizando atividades diversas com a assistência de cuidadores e onde receberiam ao menos uma refeição completa. A finalidade dessas unidades seria contribuir para a manutenção dos idosos no seu meio sócio-familiar, com todas as vantagens psicológicas, econômicas e sociais que essa inserção natural possibilita. Muitos idosos são internados em asilos porque seus familiares não podem cuidar deles, por força de seus afazeres profissionais. O investimento nesses centros seria uma solução relativamente barata, já que os próprios velhos assistidos se entreajudariam, o que minimizaria a utilização de profissionais. O fato de estarem juntos, em uma instituição comunitária, eliminaria a necessidade de maiores esforços de supervisão, que seria feita naturalmente pela própria clientela, seus parentes e vizinhos. Dentre as capitais brasileiras, o Rio de Janeiro é a que apresenta a maior proporção de população idosa. No Censo do ano 2000, as pessoas com 60 anos e mais representavam 12,8% da população carioca, enquanto, na média nacional, essa faixa etária não ultrapassava 8,6%. Como a própria Secretaria Municipal carioca reconhece, “muitas doenças da terceira idade estão relacionadas à depressão e à solidão. Isto pode ser acentuado pelo fato de no Rio de Janeiro, a proporção de mulheres idosas ser muito superior à de homens. Entre as mulheres idosas, predominam as viúvas... A família, cada vez menor e com a participação elevada de mulheres no mercado de trabalho, também fica sobrecarregada com as necessidades dos idosos”. Desse modo, a disseminação desses Centros poderia começar pelas áreas carentes da Cidade do Rio de Janeiro. Uma boa idéia seria fazê-lo imediatamente nas Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs já implantadas nas favelas das zonas sul e oeste.
3.MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM (III) – Deixando Oliveira de Barreiros, munha mãe e eu pegamos um ônibus em Viseu rumo a Lamego e saltamos em Moimenta da Beira. Daí, em táxi, atravessando o Rio Távora, afluente do Douro, pela ponte romana do século I - que ainda estava de pé, pois não haviam construído a Barragem do Vilar - chegamos a Fonte Arcada . subindo uma estrada tortuosa. A acolhida na aldeia foi calorosa. Além dos meus velhos avós maternos (António Castro e Rosa de Jesus), conheci tias e primos, em meio a muitos risos e lágrimas, bem à moda portuguesa. Ficamos hospedados na casa onde nasceu minha mãe, com dois andares, ao estilo da aldeia: no primeiro andar - denominada loja – ficavam a adega e os animais da família, a qual morava nos andares superiores. Prática adotada para proteger os bichos do rigoroso inverno, mas com os inconvenientes que essa coabitação acarretava. Claro que para mim, um garoto citadino, aquele cheiro onipresente de curral era um tremendo incômodo. A vida de meus avós era muito dura e regulada pelas estações do ano e pelo horário solar, como usual nas zonas agrícolas. O casal tivera 7 filhas e nenhum filho homem – um desastre para uma família rural do início do século XX, que precisava de braços para trabalhar a terra, o que se fazia na base da enxada, da foice, do machado e do arado puxado por bois, sem qualquer outro implemento agrícola ou mecanização. Reproduziam ainda então o que já faziam há meio século, só que agora sem o peso das filhas a sustentar. Nos meses menos frios, trabalhavam de sol a sol na agricultura, nas poucas terras que possuíam, cultivadas intensivamente e situadas relativamente longe da aldeia. Também tinham alguns animais, para transporte e trabalhos agrícolas, além da produção de leite, carne e lã. Fabricavam um pouco de azeite e vinho. Com o trigo e o centeio faziam o pão de cada dia. Tudo para consumo próprio, para sobreviver. Praticamente não havia excedentes para vender e transformar em dinheiro, de modo a satisfazer outras necessidades da família. Do pequeno campo de linho – de um verde lindíssimo, gravado até hoje na minha memória – extraiam a fibra vegetal que fiavam e teciam, assim como faziam com a lã das suas ovelhas. Eram os materiais básicos para fabricar algumas de suas roupas (grossos suéters e meias de lã, para resistir ao frio), panos de cozinha, mantas, toalhas e colchas. As técnicas de crochê, bordado, tricot e costura eram dominadas desde cedo pelas moças da casa. Da matança anual dos porcos saía a carne para o consumo imediato, além daquela que seria salgada ou defumada (para os embutidos, que os portugueses chamam de enchidos), de modo a durar pelo resto do ano, especialmente no período de inverno. Moiras (que eu adoro e quase não mais existem, mesmo em Portugal), chouriças, salpicões, morcelas, paios, alheiras, tudo era fabricado em casa e com sabor divinal ! Fiar, tecer, costurar, bordar, fazer crochê, salgar e defumar carnes e fabricar pães e embutidos, essas as principais fainas do inverno. Já se distanciara muito o tempo em que os antepassados dos Castro eram os Senhores da aldeia (de 1530 a 1605 os Castros foram Senhores de Fonte Arcada, sendo o primeiro deles D. Álvaro Fernandes de Castro, filho de D. João de Castro, quarto vice-rei da Índia). No após-guerra, aquela era uma zona rural muito deprimida, decadente, abandonada pelo poder público. Só meio século mais tarde vim a entender o que lhe acontecera, ao conhecer um engenheiro e historiador português que fora criado em Fonte Arcada e que encontrei na internet, ao buscar no Google, em um Dia de Páscoa, algum material sobre a aldeia de minha mãe. Fernando C. Quintais, que escreveu “A Fonte das Recordações”, sobre sua infância em Fonte Arcada, contou-me que a aldeia era um reduto da monarquia absolutista, por força de suas origens imemoriais, já que pertencera a Egas Moniz e depois a Inês de Castro, Rainha de Portugal. Com o aumento do poder político do liberalismo no século XIX e com a vitória dos republicanos, em 1910, os recursos governamentais passaram a ser canalizados para Sernancelhe, reduto dos vencedores e Fonte Arcada, outrora importante, perdeu status e prestígio, mergulhando na recessão. Imagino que quando minha mãe era jovem, seu pai António não tinha como manter a família de nove bocas e poucos braços. Minha mãe veio para o Brasil em 1929, aos 18 anos de idade, fugindo da pobreza com que convivia inconformada. E voltava a Fonte Arcada 17 anos depois de partir, quando seus pais já viviam um pouco melhor, mas ainda nos padrões médios das pobres comunidades rurais do Portugal salazarista. Logo nos primeiros dias após nossa chegada, houve uma festa em nossa homenagem e lembro que fui um dos encarregados de descer periodicamente à adega e encher os copos de vinho dos convidados. Claro que eu também bebia um pouquinho a cada descida e a soma desses pouquinhos resultou em sono profundo em meio à festa. Meu avô continuava trabalhando diariamente nas suas terras, enquanto estávamos lá. Saía cedinho e voltava quando já estava escurecendo. Umas duas vezes fui encarregado de levar-lhe a merenda – uma refeição feita no meio da manhã – e o almoço. Era longe, mas me colocavam na burra da família, davam-lhe um tapa na anca, diziam-lhe qualquer coisa e lá ia ela, direitinho, sem parar, durante quase uma hora, até avistarmos meu avô. Aquilo, para mim, era o máximo ! E se eu tentava mudar seu caminho, a burra empacava até que eu desistisse... e seguia para o lugar certo. O GPS dela era bem melhor que o meu...Na volta era igual: um tapa na anca, um grito e ela chegava à casa dos meus avós direitinho...Lembro ainda de ir à fonte – que dava nome à aldeia - onde as mulheres, quase todas vestidas de preto, de luto fechado, se abasteciam de água potável para suas famílias. Água que enchia grandes cântaros, transportados sobre suas cabeças. Outra recordação forte foi do dia da partida... Saímos de casa em carro de aluguel ainda no escuro e chegamos, ao amanhecer, a um largo com muitas barracas e umas poucas luzes, na junção com outra estrada maior. Era um grande acampamento de ciganos na entrada de Moimenta da Beira e minha mãe, cautelosa, pediu que o motorista do táxi esperasse até que chegasse o nosso ônibus de carreira e embarcássemos. Os ciganos – por preconceito ou por força da realidade – eram mal-afamados e minha mãe temia que alguma coisa errada nos acontecesse. Tive muito medo até que o ônibus chegou e partiu em paz. A Fonte Arcada do após-guerra deixou-me a impressão de pobreza, de condições duríssimas de vida... Era parte daquele Portugal dos emigrantes à força, empurrados pela fome e pela miséria....Mas é conveniente enfatizar que hoje Fonte Arcada é considerada uma das mais lindas aldeias de Portugal, por causa de seu majestoso patrimônio arquitetônico (ver FONTE ARCADA in “As Mais Belas Vilas e Aldeias de Portugal”, pág. 82, Editorial VERBO, Lisboa, junho de 1996).
sábado, 6 de março de 2010
RIO DE JANEIRO - O ELDORADO DEPENDE DE TRABALHO
1. NIVER DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO – Às vésperas do 455º aniversário da Cidade, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro criou a Secretaria de Conservação e Serviços Públicos, encarregada de zelar pela manutenção da cidade. Uma exigência da nossa realidade urbana, que sofre um processo de metástase pela favelização extensiva, agravada pelo vandalismo desenfreado e pela incompreensão, por parte de nossa população, do que vem a ser “bem comum”. Os moradores do Rio ainda acham, em pleno século XXI, que os bens públicos “são do Governo”. Falta-lhes a percepção de que, na verdade, pertencem a todos nós - e que pagamos por eles e sua manutenção com nossos impostos. Complementando a Secretaria que combate a desordem urbana, o novo órgão vem a calhar. Na mesma semana, porém, a grande decepção: a Lagoa Rodrigo de Freitas, que os marqueteiros apressados diziam recuperada, foi palco da mortandade de quase 100 toneladas de peixes. Dá arrepios só de pensar que para aquele espaço estão programadas, para 2016, várias competições olímpicas que exigem padrões de pureza da água extremamente rigorosos. Aquela Lagoa maravilhosa da minha infância ainda estará fora de alcance por muito tempo. “Menos marketing e mais trabalho”, um lema recomendável no trato dos problemas de uma Cidade que tem tantos compromissos internacionais e inúmeras oportunidades de desenvolvimento batendo à porta. Seriedade de gestão - o melhor presente de aniversário que nós, cariocas, queremos para o nosso Rio de Janeiro.
2. O MENINO DA SUA MÃE – Emigrando para o Brasil, em 1916, meu pai escapou à I Guerra Mundial. Uma das poesias mais belas e tristes que conheço foi escrita por Fernando Pessoa, exatamente em homenagem às famílias portuguesas cujos filhos tombaram nas trincheiras do Somme: O Menino da Sua Mãe - obra-prima que retrata a solidão da morte no campo de batalha:
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem ! que jovem era !
(Agora que idade tem ?)
Filho único a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
“O menino da sua mãe”.
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço...Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem !”
(Malhas que o Império tece !)
Jaz morto, e apodrece, O menino da sua mãe.
Meu avô, José Lopes Corrêa, tomou a sábia decisão de mandar seu filho António para o Brasil e poupá-lo das trincheiras de lama e sangue de Flandres. Não o fizesse, ganharia estes belos versos, verteria muitas lágrimas e não teria o neto brasileiro para lembrar-se dele e agradecer.
3. MIGRAÇÃO VISTA COMO INVESTIMENTO – A vinda de meu pai para o Brasil deveu-se à entrada de Portugal na I Guerra Mundial. Mas se a analisarmos sob o aspecto econômico, ver-se-á que também foi um bom investimento. Consultando fontes bibliográficas sobre aquela época, deparei com um artigo intitulado “O Rio de Janeiro da Primeira República e a imigração portuguesa: panorama histórico”, de autoria da Doutora Carla Mary S. Oliveira, publicado no número 3 – 2009 da Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Os dados e citações ali contidos dão para formar um quadro aproximado das vantagens econômicas da migração dos portugueses (e outros povos) para a Capital do Brasil, nas primeiras décadas do século XX. De início, é importante mencionar as forças de repulsão que alimentavam o desejo lusitano de emigrar: 1. o serviço militar obrigatório em um continente politicamente conflagrado; 2. a Declaração de Guerra contra a Alemanha; 3. O “reordenamento econômico (de Portugal), baseado na implantação de relações de cunho capitalista no meio rural, privilegiando as grandes companhias para a exploração da agricultura comercial, aliada à introdução de extensa mecanização na produção, sob estímulo e beneplácito do Estado. Este, contribuiu para a instalação dessa nova conjuntura econômica, através de inúmeras medidas legais que prejudicavam sobremaneira os pequenos proprietários rurais.”(Eulália Maria Lahmeyer Lobo in “Imigração portuguesa no Brasil”, São Paulo, Hucitec, 2001). Em segundo lugar, deve-se enfatizar quais as forças de atração dos portugueses para a Cidade do Rio de Janeiro que eram determinantes à época: 1. O Brasil fazia parte do imaginário dos portugueses como um Eldorado, pleno de possibilidades de enriquecimento (associado às zonas urbanas e não ao meio rural); 2. a Capital da República recentemente proclamada, em particular, estava recebendo ponderáveis investimentos públicos do Governo Central brasileiro, com a finalidade de modernizar a Metrópole, o que gerava muitos empregos e inúmeras possibilidades de empreender; 3.“utilizando uma equivalência em libras, os salários no Rio de Janeiro podiam multiplicar por três ou quatro os salários portugueses.” (Joaquim da Costa Leite in “O Brasil e a emigração portuguesa, 1855-1914”); 4. após o “bota-abaixo” de Pereira Passos e a reurbanização do Rio de Janeiro no início do século XX, sobreveio uma vaga de modernidade, com o surgimento de confeitarias, restaurantes, casas de pasto, variadas lojas de venda de artigos de uso pessoal, produtos médicos e farmacêuticos, livros, objetos decorativos etc geralmente importados, o que exigia melhor qualificação dos trabalhadores em uma cidade em que metade dos brasileiros era composta de analfabetos, propiciando boas chances de crescimento aos emigrantes com um perfil educacional melhor; 5. Havia 172 mil portugueses no Rio de Janeiro em 1920, alguns dos quais já com boa situação econômica, constituindo “massa crítica” suficiente para acolher seus “patrícios” com certo paternalismo, facilitando-lhes a adaptação ao novo habitat. A par dessas circunstâncias, deve-se ressaltar que na Primeira República o Governo Central estava preocupado em “dar um novo significado ao trabalho, retirando-lhe o sentido degradante e violento da escravidão e associando-o ao caráter edificante e positivo do enriquecimento moral e material. Essa postura vale não somente para a imigração portuguesa, mas também para a de italianos, alemães, japoneses, sírio-libaneses e tantas outras etnias que desde então se fixaram no Brasil” (Carla Mary S. Oliveira in op. citada). Meu pai, ao emigrar, com 18 anos de idade, veio com as três primeiras séries do primário concluídas e foi trabalhar como “garçon” nos cafés e restaurantes da Lapa. Em 1922 - claro que por seu bom desempenho - foi chamado para o mesmo tipo de ocupação no restaurante e nas confeitarias da Exposição do Centenário que recebeu centenas de milhares de visitantes nacionais e estrangeiros. “A Exposição Internacional do Centenário da Independência foi oficialmente aberta em 7 de setembro de 1922, durante o governo do presidente Epitácio Pessoa, e o seu encerramento se deu na primeira semana de julho de 1923. O evento ocupou uma extensa área decorrente de aterramentos e intervenções diversas. A área destinada à “Avenida das Nações” se estendeu do Palácio Monroe até a Ponta do Calabouço ...... (Thaís Rezende da Silva de Sant'Ana in Fincando Estacas, transcrito no site http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/expo_1922.htm em que fotos da Exposição do Centenário, do autor Augusto Malta, podem ser vistas). Meu pai relatou-me que com os salários e, sobretudo, com as gorjetas (muitas em libras esterlinas) ganhas nesses meses de trabalho, reuniu recursos suficientes para comprar seu primeiro negócio próprio em Juiz de Fora, onde já estavam seus primos-irmãos, filhos de seus padrinhos Antonio Sampaio Coelho e Maria dos Prazeres. Em outras palavras, pouco mais de 6 anos após chegar de Portugal - sem qualquer capital – meu pai iniciou sua fase de empreendedor. Foi bem sucedido, pois em 1929 montou casa noturna luxuosa em Juiz de Fora também com recursos próprios. Voltando ao Rio de Janeiro em 1931, estabeleceu-se em Ipanema, em ponto nobre, na Praça General Osório, com o Café e Bar Ipanema, no qual também teve sucesso empresarial. Miriam Halpern Pereira, em sua obra “Política Portuguesa de Emigração (1850 a 1930)” - Lisboa/Porto. A Regra do Jogo, 1981, lança, pessimista, a pergunta: “Quantos conseguiam realizar o seu sonho ? Em 1.000 emigrantes, 10 enriqueciam, 100 eram remediados, os restantes sobreviviam...” Trabalhando duro, adaptando-se perfeitamente aos costumes da terra adotiva e certamente bafejado pela sorte, meu pai foi mais feliz e encontrou, no Brasil, o seu Eldorado !
2. O MENINO DA SUA MÃE – Emigrando para o Brasil, em 1916, meu pai escapou à I Guerra Mundial. Uma das poesias mais belas e tristes que conheço foi escrita por Fernando Pessoa, exatamente em homenagem às famílias portuguesas cujos filhos tombaram nas trincheiras do Somme: O Menino da Sua Mãe - obra-prima que retrata a solidão da morte no campo de batalha:
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem ! que jovem era !
(Agora que idade tem ?)
Filho único a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
“O menino da sua mãe”.
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço...Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem !”
(Malhas que o Império tece !)
Jaz morto, e apodrece, O menino da sua mãe.
Meu avô, José Lopes Corrêa, tomou a sábia decisão de mandar seu filho António para o Brasil e poupá-lo das trincheiras de lama e sangue de Flandres. Não o fizesse, ganharia estes belos versos, verteria muitas lágrimas e não teria o neto brasileiro para lembrar-se dele e agradecer.
3. MIGRAÇÃO VISTA COMO INVESTIMENTO – A vinda de meu pai para o Brasil deveu-se à entrada de Portugal na I Guerra Mundial. Mas se a analisarmos sob o aspecto econômico, ver-se-á que também foi um bom investimento. Consultando fontes bibliográficas sobre aquela época, deparei com um artigo intitulado “O Rio de Janeiro da Primeira República e a imigração portuguesa: panorama histórico”, de autoria da Doutora Carla Mary S. Oliveira, publicado no número 3 – 2009 da Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Os dados e citações ali contidos dão para formar um quadro aproximado das vantagens econômicas da migração dos portugueses (e outros povos) para a Capital do Brasil, nas primeiras décadas do século XX. De início, é importante mencionar as forças de repulsão que alimentavam o desejo lusitano de emigrar: 1. o serviço militar obrigatório em um continente politicamente conflagrado; 2. a Declaração de Guerra contra a Alemanha; 3. O “reordenamento econômico (de Portugal), baseado na implantação de relações de cunho capitalista no meio rural, privilegiando as grandes companhias para a exploração da agricultura comercial, aliada à introdução de extensa mecanização na produção, sob estímulo e beneplácito do Estado. Este, contribuiu para a instalação dessa nova conjuntura econômica, através de inúmeras medidas legais que prejudicavam sobremaneira os pequenos proprietários rurais.”(Eulália Maria Lahmeyer Lobo in “Imigração portuguesa no Brasil”, São Paulo, Hucitec, 2001). Em segundo lugar, deve-se enfatizar quais as forças de atração dos portugueses para a Cidade do Rio de Janeiro que eram determinantes à época: 1. O Brasil fazia parte do imaginário dos portugueses como um Eldorado, pleno de possibilidades de enriquecimento (associado às zonas urbanas e não ao meio rural); 2. a Capital da República recentemente proclamada, em particular, estava recebendo ponderáveis investimentos públicos do Governo Central brasileiro, com a finalidade de modernizar a Metrópole, o que gerava muitos empregos e inúmeras possibilidades de empreender; 3.“utilizando uma equivalência em libras, os salários no Rio de Janeiro podiam multiplicar por três ou quatro os salários portugueses.” (Joaquim da Costa Leite in “O Brasil e a emigração portuguesa, 1855-1914”); 4. após o “bota-abaixo” de Pereira Passos e a reurbanização do Rio de Janeiro no início do século XX, sobreveio uma vaga de modernidade, com o surgimento de confeitarias, restaurantes, casas de pasto, variadas lojas de venda de artigos de uso pessoal, produtos médicos e farmacêuticos, livros, objetos decorativos etc geralmente importados, o que exigia melhor qualificação dos trabalhadores em uma cidade em que metade dos brasileiros era composta de analfabetos, propiciando boas chances de crescimento aos emigrantes com um perfil educacional melhor; 5. Havia 172 mil portugueses no Rio de Janeiro em 1920, alguns dos quais já com boa situação econômica, constituindo “massa crítica” suficiente para acolher seus “patrícios” com certo paternalismo, facilitando-lhes a adaptação ao novo habitat. A par dessas circunstâncias, deve-se ressaltar que na Primeira República o Governo Central estava preocupado em “dar um novo significado ao trabalho, retirando-lhe o sentido degradante e violento da escravidão e associando-o ao caráter edificante e positivo do enriquecimento moral e material. Essa postura vale não somente para a imigração portuguesa, mas também para a de italianos, alemães, japoneses, sírio-libaneses e tantas outras etnias que desde então se fixaram no Brasil” (Carla Mary S. Oliveira in op. citada). Meu pai, ao emigrar, com 18 anos de idade, veio com as três primeiras séries do primário concluídas e foi trabalhar como “garçon” nos cafés e restaurantes da Lapa. Em 1922 - claro que por seu bom desempenho - foi chamado para o mesmo tipo de ocupação no restaurante e nas confeitarias da Exposição do Centenário que recebeu centenas de milhares de visitantes nacionais e estrangeiros. “A Exposição Internacional do Centenário da Independência foi oficialmente aberta em 7 de setembro de 1922, durante o governo do presidente Epitácio Pessoa, e o seu encerramento se deu na primeira semana de julho de 1923. O evento ocupou uma extensa área decorrente de aterramentos e intervenções diversas. A área destinada à “Avenida das Nações” se estendeu do Palácio Monroe até a Ponta do Calabouço ...... (Thaís Rezende da Silva de Sant'Ana in Fincando Estacas, transcrito no site http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/expo_1922.htm em que fotos da Exposição do Centenário, do autor Augusto Malta, podem ser vistas). Meu pai relatou-me que com os salários e, sobretudo, com as gorjetas (muitas em libras esterlinas) ganhas nesses meses de trabalho, reuniu recursos suficientes para comprar seu primeiro negócio próprio em Juiz de Fora, onde já estavam seus primos-irmãos, filhos de seus padrinhos Antonio Sampaio Coelho e Maria dos Prazeres. Em outras palavras, pouco mais de 6 anos após chegar de Portugal - sem qualquer capital – meu pai iniciou sua fase de empreendedor. Foi bem sucedido, pois em 1929 montou casa noturna luxuosa em Juiz de Fora também com recursos próprios. Voltando ao Rio de Janeiro em 1931, estabeleceu-se em Ipanema, em ponto nobre, na Praça General Osório, com o Café e Bar Ipanema, no qual também teve sucesso empresarial. Miriam Halpern Pereira, em sua obra “Política Portuguesa de Emigração (1850 a 1930)” - Lisboa/Porto. A Regra do Jogo, 1981, lança, pessimista, a pergunta: “Quantos conseguiam realizar o seu sonho ? Em 1.000 emigrantes, 10 enriqueciam, 100 eram remediados, os restantes sobreviviam...” Trabalhando duro, adaptando-se perfeitamente aos costumes da terra adotiva e certamente bafejado pela sorte, meu pai foi mais feliz e encontrou, no Brasil, o seu Eldorado !
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