1. VIAGEM À CIDADE (DO RIO DE JANEIRO) – A ida ao Centro, lá pelos anos 40, era um acontecimento e tinha três tempos bem distintos: primeiro, a viagem de ida e volta, muito divertida e sempre com muitas novidades pelo caminho; depois, as compras, o que era geralmente enjoado para a criançada; ao final de tudo, a grande recompensa da aventura: o lanche ! Na Colombo ou na Manon, na Cavé ou na Lallet ou ainda o frapé de côco no Bar Simpatia, da Avenida Rio Branco. Uma delícia... Usávamos sempre o ônibus na ida à Cidade - era assim que chamávamos o Centro naquele tempo, aliás muito apropriadamente, porque Ipanema era apenas um arrabalde. Paradisíaco, mas arrabalde. O bonde era inviável, demorava muito, por causa das inúmeras paradas, sobrava pouco tempo para os afazeres. De ônibus eram 25 ou 30 minutos; de bonde, o dobro do tempo. Eu me lembro remotamente dos ônibus da Light, muito altos, com assentos de veludo vermelho, forrados por panos brancos. Mas os mais presentes na memória são o modesto 3, todo verdinho, e mais tarde o 12, o famoso Camões, esquisito, com uma reentrância na sua frente. Pelo caminho, havia muitas atrações. Ainda na Visconde Pirajá, na passagem pela Praça General Osório, tentar ver meu pai trabalhando e acenar para ele. Logo depois, dar adeus ao cinema Ipanema e ao meu Colégio Fontainha. Na Gomes Carneiro e Francisco de Sá, apreciar as novas construções e a abertura da futura rua entre Barão da Torre e Gomes Carneiro, a Antonio Parreiras, que ocupou o lugar de uma chácara maravilhosa, onde os sapotizeiros faziam a festa da garotada. Na Avenida N.S. de Copacabana, um monte de coisas interessantes, pois o bairro era muito mais adiantado que Ipanema. Cinemas Metro, Roxy, Ritz e Americano (um tremendo “poeira”); lojas Americanas, Banaflakes, Leco; praças (a do Lido era minha predileta, onde no Carnaval havia um baile infantil imperdível); o lindo Copacabana Palace. No Túnel Novo, no início, só havia uma pista, mas ao sair dele já se via o Campo do Botafogo. Mais adiante, à direita, o Hospício (depois a Reitoria da UFRJ) e logo adiante o Mourisco. O espetáculo noturno do Mourisco era um encantamento para a garotada, com aqueles anúncios móveis e coloridos de neon – especialmente a Água Salutaris caindo da garrafa para o copo e depois borbulhando. O anúncio do Vermute Cinzano era outro luminoso lindo. Ainda hoje, quando passo lá, já de noite, tenho saudades e lamento que o Rio tenha perdido aquele espetáculo que era uma de suas marcas registradas. Depois, vinha o Morro da Viúva e a casa da família Martinelli, misteriosa, com seu rendilhado de pura arte. A seguir, a Praia do Flamengo, uma estreita faixa de areia, encoberta quando o mar estava de ressaca e as ondas chegavam a atingir os ônibus que passavam na rua. Outro ponto alto estava logo adiante: eram os jardins da Glória, com os ficus metamorfoseados nos mais diferentes bichos - coelhos, elefantes, galinhas, girafas etc - obras de uma arte quase perdida, a topiaria, em que os jardineiros portugueses, maioria absoluta na PDF, eram mestres imbatíveis. Não sabem o que é PDF ? Mas estava em todas as placas: Prefeitura do Distrito Federal (PDF), o Rio de Janeiro era a Capital do Brasil ! Outra beleza dos jardins, digna de uma ida só para vê-las, eram as luzes coloridas, iluminando os inúmeros repuxos de vários formatos da Glória, em um espetáculo maravilhoso. O Palácio Monroe anunciava a chegada ao Centro. Ao fundo, a Torre da Mesbla e seu relógio balizavam o tempo disponível. No meu caso, de início tinha a visita à Tia Amélia, que era prima querida de minha mãe, pois ambas vieram juntas para o Brasil no mesmo navio, aos 18 anos de idade, saindo da mesma família, da mesma aldeia, com o mesmo destino de empregada doméstica em casas ricas do Rio de Janeiro. E agora, bem sucedidas, ambas tinham negócio próprio: a pensão da minha mãe era em Ipanema; a da Tia Amélia na Rua Santa Luzia, num sobrado em que ela também morava, com o marido, Manoel Ferreira, empregado da MESBLA, e sua filha Lurdes, com quem eu ficava brincando enquanto minha mãe matava as saudades e contava e ouvia as novidades na conversa com a prima. Eu gostava de ir à Rua Santa Luzia porque vários de seus sobrados abrigavam no andar térreo as garagens, sempre abertas, dos barcos das regatas a remo. Eram vários clubes: Vasco da Gama, Boqueirão Passeio, Santa Luzia, Internacional de Regatas e até o São Cristóvão, porque sua garagem no Bairro Imperial, perto da Avenida Brasil, já tinha ficado muito longe do mar. Os treinos eram no Calabouço, em plena Baía de Guanabara. O Morro do Castelo ainda existia parcialmente ali perto e minha mãe ia, às vezes, a um médico de cuja sala de espera eu via o morro sendo demolido aos poucos. O problema é que depois da visita à Santa Luzia começavam as intermináveis compras. O comércio da Zona Sul ainda era incipiente, mesmo em Copacabana, mais adiantada que Ipanema e principalmente que o Leblon, este ainda um grande areal, com casas dispersas e uma florescente favela (a Praia do Pinto). Às vezes, éramos protagonistas das compras: hora de experimentar o “tanque colegial” na DNB ou outros sapatos na Scatamacchia, ou provar roupas na Torre Eiffel da Rua do Ouvidor. Cá entre nós, pior sorte tinham os pequenos fregueses enfatiotados pela loja Príncipe – que “veste hoje o homem de amanhã”. Provar roupas, expressão adequada para aquela “provação” sem fim. Uma coisa impressionante é que de mãos dadas com minha mãe, eu passava frequentemente pelo Largo de São Francisco e invariavelmente ela apontava para um prédio enorme, imponente e dizia: - alí se formam os engenheiros e você, quando crescer, vai estudar alí também. E não é que eu fui parar lá mesmo ! E por vontade própria... Minha mãe seria vidente ? Quando ela declarava, finalmente, que as compras do dia estavam encerradas, aí começava o paraíso. Era a hora do lanche, o prêmio esperado após o sacrifício daquela andação toda. A confeitaria escolhida para o evento dependia geralmente do lugar onde as compras eram encerradas. As antigas confeitarias do Rio foram o refrigério da infância obrigada a acompanhar as mães nas compras, que variavam entre quinzenais ou mensais. A Casa Cavé completou 150 anos. A Manon, concorrente relativamente nova, só tem 70 anos de idade. Outra opção era a belíssima Confeitaria Colombo, ainda hoje um patrimônio maravilhoso de nossa Cidade, assim como a Lallet, outra que gozava de nossa preferência. Para ela e a Cavé, o gozador Emílio de Menezes, para acabar com as brigas dos proprietários, escreveu uma faixa de frente e verso com os seguintes dizeres: “Quem vem de cá vê e quem vem de lá lê”. Torradas de Petrópolis, chocolate, bolinhos diversos, coxinhas de galinha divinas, pastéis de nata, travesseiros de amêndoas, bolos-rei, pudins e refrescos diversos faziam a delícia daquelas tardes memoráveis. Um privilégio de quem foi criança no meu tempo ! Depois, já satisfeitos, era pegar os muitos embrulhos das compras e voltar para Ipanema. E quando o ônibus chegava à esquina da Rua Princesa Isabel com Nossa Senhora de Copacabana, nos dias de verão, gozar o frescor que vinha da praia e era o nosso ar refrigerado natural, um prazer que só a passagem pela porta do Metro Copacabana era capaz de imitar.
2.ENCONTRO DO MOBRAL COM UNESCO - Acabo de achar no GOOGLE um estudo antigo sobre o MOBRAL, realizado em meados da década dos 70 por uma missão da UNESCO. O longo estudo, elaborado quando eu era Presidente do MOBRAL, concluía que a instituição era um exemplo de sucesso a ser seguido em todo mundo. Foi a partir dessa avaliação que o MOBRAL passou a dar assistência técnica em Alfabetização e Educação Continuada a vários países (23 mais precisamente).. Os que tiverem curiosidade, pesquisem no GOOGLE “La experiencia brasileña de alfabetización de adultos - el MOBRAL” - Estudio preparado por la Oficina Regional de Educación de la Unesco para América Latina y el Caribe. Coincidência feliz ter achado esse documento às vésperas de mais um Encontro das pessoas que trabalharam na instituição e gostam de reencontrar seus antigos colegas e matar as saudades.
3.ANÃO DO ORÇAMENTO INCONSTITUCIONAL - Ibsen Pinheiro, anão do Orçamento, quer dar ao Rio um Orçamento anão, rasgando a Lei Magna e usurpando a compensação a que temos direito, pelo petróleo que produzimos. Será que a Branca de Neve vai deixar ?
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Esta viagem pelo Rio me é mais do que familiar... Sempre ouço de você e de minha mãe estes deliciosos relatos de um tempo em que a Vida fluia mais docemente... Acho que minha memória de tempos não vividos é herança genética...rsrs Ouvir, sorvendo e absorvendo cada detalhe, fez de mim uma nostálgica do que não vivenciei, mas gostaria de ter vivenciado.
ResponderExcluirAo passar pelo Centro - que tb. chamo de Cidade -sinto saudades e fico imaginando como seria no passado... Bons tempos e excelente texto!!!
Cláudia.
Arlindo,
ResponderExcluirAo ler sobre a avaliação feita pela UNESCO, lembrei-me de um episódio divertidíssimo.
O estudo foi preparado por dois técnicos que passaram alguns dias no MOBRAL, o espanhol Soler, que chefiava a missão, e um equatoriano que, se não me engano, chamava-se Ernesto.
Foram apresentar o resultado preliminar de sua avaliação ao MEC, em Brasília, e eu os acompanhei. Não me lembro se você já havia dito a eles que o Cel. Pamplona, Secretário Geral que iria recebê-los gostava de ser tratado pelo primeiro nome. O que sei é que, no avião, fomos conversando e eles queriam saber como era que o Ministério da Educação funcionava sob o comando de dois coronéis, o Ministro Passarinho e o seu Secretário Pamplona. Expliquei-lhes que os dois eram coronéis reformados, que entendiam bastante de educação, que só usavam roupas civis e que nenhum dos dois gostava de ser chamado de coronel. O Pamplona, que iria recebê-los, preferia ser tratado pelo nome de batismo, Confúcio!
Não deu outra: em cerca de meia hora de reunião os dois usaram e abusaram de "Don Confucio", toda vez que se dirigiam ao Cel. Pamplona. E eu firme, sério, mas com uma vontade louca de rir, quando via a expressão de ódio na cara do Don Confucio. Estou certo de que, se ele estivesse armado, teria fuzilado os dois gringos ali mesmo no seu gabinete. Mas o relatório ficou ótimo!
Abs
Marcos
1. Cláudia: você tem bom gosto, pois aquele tempo tinha seus encantos 2. Marcos: só de imaginar a cena, a cara de ódio de Don Confúcio e você com cara de gozador, fiquei morrendo de rir. Juntos, vivemos momentos hilariantes. Nossa viagem aos palácios de Persépolis, Shiraz e adjacências (Paris e Teerã) daria um livro. Abraços. Arlindo
ResponderExcluirOi Arlindo
ResponderExcluirPeguei uma carona na sua viagem ao Centro e lembrei-me, perfeitamente, das minhas peripécias na área, acompanhado do Cláudio,mas sob o olhar atento de meus pais.Os pontos visitados eram, praticamente, os mesmos que você citou.Íamos de terno e gravata que, à época, era moda até para a garotada.
O ônibus da Light, da cor cinza, fazia ponto final na Av Atlântica, quase em frente à minha casa.A linha número 2 era : - Castelo -Forte de Copacabana.Além do estofamento que você mencionou havia outro imitando pele de onça pintada.
E os lotações ? Lembra-se ? Eram aqueles carros americanos grandes , pretos, com e assentos escamoteáveis entre os bancos da frente e traseiro.As marcas variavam entre Chrysler e Plymouth.
É isso aí.Parabéns por mais esse texto cheio de recordações preciosas de uma época que não volta mais !
Bons tempos...belos dias.
Um forte abraço,
Ronaldo
Arlindo,
ResponderExcluirVou Googlear via Mobral,sei pouco sobre certos detalhes.
O humor do Marços eu me lembro em caminhadas curtas por Ipanema com você.Ele deve continuar o mesmo,senão não saberia mais contar a história do Don Confucio.
e a viagem à Cidade,o cenário percorrido,a Garrafa da Salutáris e o copo efervecente,a Colombo com seus lanches e sua bala de ovo,a Praça Paris com sua cachoeira colorida,o ônibus que me deixava enjoada, mas que nem ligava,pensando no lindo dia que aconteceria,Saudades gostosas trazem/
/por esta crônica sua tão bem falada /Obrigada
Viver e recordar é bom demais.
saudações Thereza
Grato pelos comentários, Thereza e Ronaldo: agora entendo porque andei pouco nos ônibus da LIGHT, pois seu ponto final era em Copacabana e normalmente eu saía de Ipanema. A bala de ovo da Colombo era realmente uma "força" e o Marcos Candau foi um dos maiores gozadores que conheci - virtude muito especial da turma da Zona Sul carioca. Arlindo
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