domingo, 28 de fevereiro de 2010

MINHAS ORIGENS ENTRE CEREJAS E VINHAS

1 MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM (II) – Partindo da Estação Ferroviária de Santa Apolônia - lá para os lados da Praça do Comércio, relativamente perto do Rossio, onde nos hospedamos em Lisboa - fomos para Oliveira de Barreiros, aldeia onde nasceu meu pai. Saltamos do trem para baldeação em Santa Comba Dão, terra natal de Antonio de Oliveira Salazar, o Ditador que governou Portugal de 1932 a 1968. Esperaríamos algumas horas pelo trem para Viseu e minha mãe combinara visitar uma amiga que morava na cidade. Chegados à sua casa, a agradável surpresa: ela sabia que eu adorava cerejas e tinha no quintal uma enorme árvore, carregadinha de frutas maduras, que colocou à minha disposição. Foi uma farra que tornou a espera agradabilíssima. A viagem continuou e chegamos a Viseu, a cidade mais importante da Beira Alta. Para levar nossa enorme bagagem para o carro de aluguel que nos conduziria à aldeia, minha mãe contratou um carregador também enorme, de terno, boina e suéter, que nos acompanhou até o vagão cargueiro, junto com uma mulher gordinha, muito corada e bem baixinha (menos de metro e meio). Deparando com nossa malaria, o homenzarrão pegou o baú e o colocou nas costas... da baixinha - que gemeu mas aguentou firme. Enquanto isso, o “patrício” pegou as malas - bem mais leves - e foi em frente todo folgazão. Minha mãe não se conteve, deu-lhe uma tremenda descompostura e obrigou-o a carregar o baú. E ele obedeceu, apesar das tentativas de “sua escrava anã” para contornar a situação. Assim era Dona Maria do Céo ao ver alguma injustiça... Chegando à aldeia, fomos apresentados com muita festa a inúmeros parentes e hospedados na casa de Antonio Sampaio Coelho, primo-irmão de meu pai que, acabada a guerra, vendeu o Hotel de sua propriedade em Juiz de Fora e mudou-se com esposa e filhos para sua terra natal. Lá, construiu uma casa ampla, com eletricidade e água corrente, comodidades incomuns nas pobres aldeias portuguesas de então. A casa dos Coelho era tão confortável quanto a nossa residência na Visconde de Pirajá, em Ipanema. Começava assim meu encontro com minhas origens. Durante muitas gerações, meus antepassados paternos cultivaram a parreira, fabricaram o vinho e viveram de sua venda na pequena Oliveira de Barreiros, situada a 6 quilômetros de Viseu, na Região Vinícola Demarcada do Dão. Consta que já no século XIV eram tomadas medidas protetoras do vinho naquela área privilegiada. Em 1758, de acordo com o Inquérito Paroquial (de Lourosa), a velha aldeia de Oliveira de Barreiros contava com 70 fogos (lares). Foi em 1908, ainda sob regime monárquico, que o Estado Português constituiu aquelas terras do Dão como primeira Região Demarcada de vinhos de mesa do País. O Dão, por muitos anos, conseguiu ser a região por excelência dos vinhos não licorosos em Portugal, conhecidos pela “elegância, elevada capacidade de envelhecimento e versatilidade no acompanhamento de variadas criações gastronômicas”. Meu pai nasceu em 1898 e é claro que, demarcada a região, o vinho de nossa família e suas terras valorizaram-se, consolidando meu avô como pequeno proprietário remediado. A vinda de meu pai para o Brasil, em 1916, mais do que a razões econômicas, deveu-se à entrada de Portugal na I Guerra Mundial em 9 de Março daquele ano. O conflito luso-alemão já vinha sendo travado, há algum tempo, no sul de Angola e norte de Moçambique e a Declaração de Guerra à Alemanha foi mera formalidade. Meu pai completaria 18 anos em abril de 1916 e seu destino seriam as fatídicas trincheiras enlameadas do Somme, onde milhares de portugueses morreram.. . Fiquei admirado com a centenária casa em que meu pai nasceu, com paredes de pedra, adega, cubas de concreto, lagar e tonéis que me pareciam imensos. Além do vinho, meus antepassados plantavam e criavam o suficiente para garantir sua subsistência: fabricavam algum azeite, engordavam porcos, plantavam batatas e verduras, além de explorar a madeira de seus pinheiros. Conheci as terras da família que ainda então pertenciam a meu pai, particularmente nosso pinhal – tão bonito e com cheiro gostoso de resina ! - na curva da velha estrada. Estrada onde pude ver marchando e ouvir cantando, em certa manhã de domingo, os membros da Mocidade Portuguesa (que meu pai tanto odiava), com suas camisas verdes e calças castanhas – a cópia salazarista das Juventudes Hitlerista e de Mussolini. Ajudei na colheita do nosso pequeno campo de batatas, que devia ter apenas uns 600 metros quadrados e se situava em meio às terras de vários outros proprietários. Espantei-me com o fato de meu pai ter duas oliveiras em uma praça no centro da aldeia ! Para mim, brasileiro, acostumado à vastidão das terras e à exuberância meio largada da flora, aquele respeito a propriedades tão diminutas, ainda mais em local público, era algo inusitado. Foi esse sentimento arraigado de propriedade, principalmente nas regiões centrais e do norte de Portugal, que depois da Revolução dos Cravos (25 de abril de 1974) impediu o avanço do poder político dos comunistas no País, quando ousaram mexer nas terras daqueles minifúndios. Foram expulsos a enxadadas... O forte da aldeia era incontestavelmente o vinho, como ainda o é hoje, em pleno século XXI. Através do vinho, o nome da aldeia de meu pai já passou as fronteiras da região e as do País, com suas marcas próprias, registradas atualmente, como “Pedra Cancela” , “Vinha Paz” e “Vinha de Reis”. Mas a produção é pequena e não chega ao Brasil. Dos acontecimentos interessantes, naquela minha estada em Oliveira de Barreiros, lembro das demoradas mas alegres idas a Viseu em carro de bois, com os primos, ou de charrete, quando a viagem incluía minha mãe. E em Viseu, recordo das visitas à Sé, às Cavas (fortificações) de Viriato – o herói lusitano que combateu os romanos – e de uma refeição numa tasca, com minha mãe, consistindo de sardinhas, batatas cozidas, azeite e pão, comidos à volta de um imenso barril que servia de mesa. Lembro, também, que na aldeia fez muito frio e houve dias em que nem saí de casa. Afinal, da terra de meu pai viam-se as neves eternas da Serra da Estrela, o ponto mais alto e gelado do território português. (Carlos Pereira, em seu blog http://oliveiradebarreirosgrandesamigos.blogspot.com sobre a aldeia, conta-nos que em 2010 já nevou duas vezes por lá). Em algumas aventuras, me dei mal. Antoninho, meu primo que tinha uns 15 anos, sugeriu que fôssemos escondidos comer as cerejas das árvores de uma sua tia (minha prima). Pediu-me que, para não deixar vestígios da travessura, eu engolisse os caroços das frutas que comesse. Dito e feito e – é claro- uma brutal dor de barriga. Os caroços dele, o malandro guardara no bolso da calça...Mesmo vindo de Ipanema eu não era tão vivo assim nos meus 9 anos de idade. Aliás, levaram-me um dia à escola da aldeia, onde haviam estudado meu pai e meu primo querido Sylvio Simões de Figueiredo. Eu disse à professora que estava começando o terceiro ano primário e ela me fez algumas perguntas que eu não soube responder inteiramente. Fiquei meio encabulado. Afinal, eu pensava estar defendendo a honra nacional e fracassei tão fragorosamente quanto o fazem nossos alunos submetidos ao PISA, o teste que a OECD aplica a muitos milhares de alunos de meia centena de países e no qual os brasileiros sempre ficam nas últimas colocações. Mas como o Brasil sempre perde para Portugal no PISA, eu apenas estava antecipando nossas derrotas futuras. No final de nossa estada em Oliveira de Barreiros a temperatura aumentou e deu para ir tomar banho no Rio Dão, em um remanso perto de Nelas, onde havia uma “praia” – obviamente uma denominação meio risível sob o ponto de vista de um garoto que vinha das vastas areias de Ipanema. De qualquer forma, foi um dia divertido, passado com meus entusiasmados primos juiz-foranos (Antoninho, Laura, Cirene e Belmira). Afinal, o único mar que a turma da Manchester mineira conhecia até então era o Mar de Hespanha... Para mim, na época, as condições de vida naquela aldeia desmentiam a ideia de miséria que as zonas rurais de Portugal inspiravam. Talvez pela proximidade de Viseu; talvez pelo fato de o vinho ser um produto precioso de exportação, com bom preço em um momento no qual outros países europeus, envolvidos na guerra, viram declinar suas produções; ou ainda pelo impacto da chegada de Antonio Sampaio Coelho, que construiu uma enorme residência, comprou terras e injetou recursos financeiros acima do normal na aldeia.O fato é que gostei de Oliveira de Barreiros e a achei muito confortável. Mas estava na hora de ir para a terra de minha mãe e conhecer meus avós...


2. DESEMPREGO AUMENTA NAS METRÓPOLES - O IBGE divulgou sua Pesquisa Mensal de Emprego (PME) referente a janeiro de 2010. A taxa de desocupação subiu 0,4 % relativamente a dezembro de 2009, ocorrência natural em face da demissão dos trabalhadores temporários contratados para as festividades de fim de ano nas Capitais. Desse modo, a população desocupada (1,7 milhão) cresceu 6,0% na comparação com dezembro de 2009 (mais 95 mil pessoas) e a população ocupada (21,6 milhões) caiu , havendo menos 210 mil postos de trabalho em relação a dezembro de 2009. A PME cobre apenas as seis principais regiões metropolitanas do Brasil (Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e Recife) e só tem maior interesse para os respectivos Governos Estaduais. O IBGE poderia descontinuar essa pesquisa e usar os respectivos recursos financeiros para realizar levantamentos trimestrais sobre o mercado de trabalho cobrindo todo o País. Com esse tipo de informação, poder-se-ia definir políticas públicas nacionais de emprego mais fundamentadas e efetivas.

5 comentários:

  1. Oi, Arlindo!

    Gostei muito da nova diagramação, ficou mais leve e mais fácil de ler.
    Esta sua viagem a Portugal deve ter sido maravilhosa, fiquei com inveja. Seu texto me fez viajar " de verdade" com vocês.
    Beijo,
    Ana

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  2. Arlindo

    e o livro viaja,talvez jogando miolos de pão pelo caminho, ele volte ao público-tomara.
    A crônica atravessa a emoção.Combina seu estilo com um relato histórico.
    Excelente.
    Saudações, Thereza

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  3. Olá primo Arlindo!
    Fiquei emocionadíssima em ler sobre Oliveira de Barreiros, minha aldeia de nascimento. Meu avô
    Antonio Sampaio Coelho e minha mãe "Mariquita" filha mais velha.
    Um abração
    Rosa Wilma

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  4. Cara Prima Rosa Wilma: que prazer ler seu comentário e recordar a boa Oliveira de Barreiros. Em maio de 2011 vou lá, visitar sua tia Cirene e ver a casa do velho primo Antonio Sampaio Coelho, a mais bela de sempre. Forte abraço. Disponha do seu primo. Em dezembro volto a escrever meu blog, o que agora é impossível pois estou fazendo um projeto importante e com prazos apertados. Arlindo

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  5. Cara Prima Rosa Wilma: mande-me um email para arlindo@centroin.com.br pois quero notícias suas e da nossa família. E darei notícias do lado de cá. Espero que você leia estes comentários, porque só ontem voltei ao meu blog e soube que você escrevera um comentário e pude responder. Abraços.

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