sábado, 6 de março de 2010

RIO DE JANEIRO - O ELDORADO DEPENDE DE TRABALHO

1. NIVER DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO – Às vésperas do 455º aniversário da Cidade, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro criou a Secretaria de Conservação e Serviços Públicos, encarregada de zelar pela manutenção da cidade. Uma exigência da nossa realidade urbana, que sofre um processo de metástase pela favelização extensiva, agravada pelo vandalismo desenfreado e pela incompreensão, por parte de nossa população, do que vem a ser “bem comum”. Os moradores do Rio ainda acham, em pleno século XXI, que os bens públicos “são do Governo”. Falta-lhes a percepção de que, na verdade, pertencem a todos nós - e que pagamos por eles e sua manutenção com nossos impostos. Complementando a Secretaria que combate a desordem urbana, o novo órgão vem a calhar. Na mesma semana, porém, a grande decepção: a Lagoa Rodrigo de Freitas, que os marqueteiros apressados diziam recuperada, foi palco da mortandade de quase 100 toneladas de peixes. Dá arrepios só de pensar que para aquele espaço estão programadas, para 2016, várias competições olímpicas que exigem padrões de pureza da água extremamente rigorosos. Aquela Lagoa maravilhosa da minha infância ainda estará fora de alcance por muito tempo. “Menos marketing e mais trabalho”, um lema recomendável no trato dos problemas de uma Cidade que tem tantos compromissos internacionais e inúmeras oportunidades de desenvolvimento batendo à porta. Seriedade de gestão - o melhor presente de aniversário que nós, cariocas, queremos para o nosso Rio de Janeiro.


2. O MENINO DA SUA MÃE – Emigrando para o Brasil, em 1916, meu pai escapou à I Guerra Mundial. Uma das poesias mais belas e tristes que conheço foi escrita por Fernando Pessoa, exatamente em homenagem às famílias portuguesas cujos filhos tombaram nas trincheiras do Somme: O Menino da Sua Mãe - obra-prima que retrata a solidão da morte no campo de batalha:

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem ! que jovem era !
(Agora que idade tem ?)
Filho único a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
“O menino da sua mãe”.

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço...Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem !”
(Malhas que o Império tece !)
Jaz morto, e apodrece, O menino da sua mãe.

Meu avô, José Lopes Corrêa, tomou a sábia decisão de mandar seu filho António para o Brasil e poupá-lo das trincheiras de lama e sangue de Flandres. Não o fizesse, ganharia estes belos versos, verteria muitas lágrimas e não teria o neto brasileiro para lembrar-se dele e agradecer.

3. MIGRAÇÃO VISTA COMO INVESTIMENTO – A vinda de meu pai para o Brasil deveu-se à entrada de Portugal na I Guerra Mundial. Mas se a analisarmos sob o aspecto econômico, ver-se-á que também foi um bom investimento. Consultando fontes bibliográficas sobre aquela época, deparei com um artigo intitulado “O Rio de Janeiro da Primeira República e a imigração portuguesa: panorama histórico”, de autoria da Doutora Carla Mary S. Oliveira, publicado no número 3 – 2009 da Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Os dados e citações ali contidos dão para formar um quadro aproximado das vantagens econômicas da migração dos portugueses (e outros povos) para a Capital do Brasil, nas primeiras décadas do século XX. De início, é importante mencionar as forças de repulsão que alimentavam o desejo lusitano de emigrar: 1. o serviço militar obrigatório em um continente politicamente conflagrado; 2. a Declaração de Guerra contra a Alemanha; 3. O “reordenamento econômico (de Portugal), baseado na implantação de relações de cunho capitalista no meio rural, privilegiando as grandes companhias para a exploração da agricultura comercial, aliada à introdução de extensa mecanização na produção, sob estímulo e beneplácito do Estado. Este, contribuiu para a instalação dessa nova conjuntura econômica, através de inúmeras medidas legais que prejudicavam sobremaneira os pequenos proprietários rurais.”(Eulália Maria Lahmeyer Lobo in “Imigração portuguesa no Brasil”, São Paulo, Hucitec, 2001). Em segundo lugar, deve-se enfatizar quais as forças de atração dos portugueses para a Cidade do Rio de Janeiro que eram determinantes à época: 1. O Brasil fazia parte do imaginário dos portugueses como um Eldorado, pleno de possibilidades de enriquecimento (associado às zonas urbanas e não ao meio rural); 2. a Capital da República recentemente proclamada, em particular, estava recebendo ponderáveis investimentos públicos do Governo Central brasileiro, com a finalidade de modernizar a Metrópole, o que gerava muitos empregos e inúmeras possibilidades de empreender; 3.“utilizando uma equivalência em libras, os salários no Rio de Janeiro podiam multiplicar por três ou quatro os salários portugueses.” (Joaquim da Costa Leite in “O Brasil e a emigração portuguesa, 1855-1914”); 4. após o “bota-abaixo” de Pereira Passos e a reurbanização do Rio de Janeiro no início do século XX, sobreveio uma vaga de modernidade, com o surgimento de confeitarias, restaurantes, casas de pasto, variadas lojas de venda de artigos de uso pessoal, produtos médicos e farmacêuticos, livros, objetos decorativos etc geralmente importados, o que exigia melhor qualificação dos trabalhadores em uma cidade em que metade dos brasileiros era composta de analfabetos, propiciando boas chances de crescimento aos emigrantes com um perfil educacional melhor; 5. Havia 172 mil portugueses no Rio de Janeiro em 1920, alguns dos quais já com boa situação econômica, constituindo “massa crítica” suficiente para acolher seus “patrícios” com certo paternalismo, facilitando-lhes a adaptação ao novo habitat. A par dessas circunstâncias, deve-se ressaltar que na Primeira República o Governo Central estava preocupado em “dar um novo significado ao trabalho, retirando-lhe o sentido degradante e violento da escravidão e associando-o ao caráter edificante e positivo do enriquecimento moral e material. Essa postura vale não somente para a imigração portuguesa, mas também para a de italianos, alemães, japoneses, sírio-libaneses e tantas outras etnias que desde então se fixaram no Brasil” (Carla Mary S. Oliveira in op. citada). Meu pai, ao emigrar, com 18 anos de idade, veio com as três primeiras séries do primário concluídas e foi trabalhar como “garçon” nos cafés e restaurantes da Lapa. Em 1922 - claro que por seu bom desempenho - foi chamado para o mesmo tipo de ocupação no restaurante e nas confeitarias da Exposição do Centenário que recebeu centenas de milhares de visitantes nacionais e estrangeiros. “A Exposição Internacional do Centenário da Independência foi oficialmente aberta em 7 de setembro de 1922, durante o governo do presidente Epitácio Pessoa, e o seu encerramento se deu na primeira semana de julho de 1923. O evento ocupou uma extensa área decorrente de aterramentos e intervenções diversas. A área destinada à “Avenida das Nações” se estendeu do Palácio Monroe até a Ponta do Calabouço ...... (Thaís Rezende da Silva de Sant'Ana in Fincando Estacas, transcrito no site http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/expo_1922.htm em que fotos da Exposição do Centenário, do autor Augusto Malta, podem ser vistas). Meu pai relatou-me que com os salários e, sobretudo, com as gorjetas (muitas em libras esterlinas) ganhas nesses meses de trabalho, reuniu recursos suficientes para comprar seu primeiro negócio próprio em Juiz de Fora, onde já estavam seus primos-irmãos, filhos de seus padrinhos Antonio Sampaio Coelho e Maria dos Prazeres. Em outras palavras, pouco mais de 6 anos após chegar de Portugal - sem qualquer capital – meu pai iniciou sua fase de empreendedor. Foi bem sucedido, pois em 1929 montou casa noturna luxuosa em Juiz de Fora também com recursos próprios. Voltando ao Rio de Janeiro em 1931, estabeleceu-se em Ipanema, em ponto nobre, na Praça General Osório, com o Café e Bar Ipanema, no qual também teve sucesso empresarial. Miriam Halpern Pereira, em sua obra “Política Portuguesa de Emigração (1850 a 1930)” - Lisboa/Porto. A Regra do Jogo, 1981, lança, pessimista, a pergunta: “Quantos conseguiam realizar o seu sonho ? Em 1.000 emigrantes, 10 enriqueciam, 100 eram remediados, os restantes sobreviviam...” Trabalhando duro, adaptando-se perfeitamente aos costumes da terra adotiva e certamente bafejado pela sorte, meu pai foi mais feliz e encontrou, no Brasil, o seu Eldorado !

3 comentários:

  1. Arlindo,acabara de sonhar com um trecho de Fernando Pessoa, quando recebi o Arlindo´s blog
    continuo pois a homenagem ao poeta maior-
    " O poeta é um fingidor
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é dor
    A dor que deveras sente"
    Fernando Pessoa


    Na migração dos portugueses,muitos poéticos
    sonhos deveriam acompanhá-los.
    Lembra meu avô, Antonio Francisco Corrêa, que veio em um navio mercante,como as mercadorias que
    em meados do século XIX começou a vender,em uma portinhola que abriu ,de secos e molhados, chamada Colombo na Rua Gonçalves Dias.
    Alargando o tempo e o espaço em 1894 nasceu a Confeitaria Colombo, berço Art nouveau em plena Belle Epoque e muito tempo casa de meu pai José- -que lembranças belas este seu texto me deu de presente. O seu livro segue tomando formato.
    Obrigada. Thereza

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  2. Arlindo, Obrigada pela citação ao meu artigo.
    Se tiver interesse pela tese de doutorado, ela está disponível para download em meu sítio na web: http://cms-oliveira.sites.uol.com.br/
    Abçs,

    profª Carla Mary Oliveira

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  3. Grato pelos comentários. Realmente a Colombo é uma maravilha. Vou ler a tese da Professora Carla Mary Oliveira. Arlindo Lopes Corrêa

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