sexta-feira, 23 de abril de 2010

BRASÍLIA E VOLEIBOL EM FESTA DAS ESTRELAS

1. CINQUENTA ANOS DE BRASÍLIA - A moreníssima Vera Lúcia Ferreira Maia jogava voleibol no Fluminense, frequentava o Arpoador e era filha da famosa Nora Ney, uma das mais importantes cantoras de nossa música romântica. Verinha disputou Miss Guanabara pelo Fluminense e venceu. No Concurso de Miss Brasil, tirou o terceiro lugar. Nada mau, pois a primeira colocada foi a lindíssima gaúcha Ieda Maria Vargas, que depois ganhou o Concurso de Miss Universo. Vera, aliás, também representou nosso País no Concurso de Miss Mundo, do qual foi semifinalista. Lembro-me disso, a propósito dos 50 anos de Brasília, aonde o timaço de voleibol do Fluminense foi jogar na inauguração do Ginásio de Esportes do Iate Clube, no início dos anos 60. Ficamos hospedados no Brasília Palace Hotel, perto do Palácio Presidencial e conhecemos a Capital ainda com os barracos do Núcleo Bandeirante e muitas obras inacabadas. Tudo era feito com muita pressa e às vezes a qualidade deixava a desejar. O belo Ginásio que inauguramos, com uma vitória estrondosa, nos impressionou muito por ser sua quadra enterrada, bem abaixo do nível do solo. Coisas da arquitetura inovadora de Brasília. Na Capital, participamos de diversos eventos esportivos e culturais. Lembro de uma palestra do Professor Hermógenes e suas duas filhas, também professoras de Hatha Ioga, atividade da qual foram pioneiros no Brasil, com sua Academia localizada na sobreloja envidraçada de um prédio na Rua Visconde de Pirajá, próximo à esquina com a Rua Gomes Carneiro. Em outra das noites, convidados exatamente pela Miss Fluminense e Miss Guanabara, nossa amiga Vera Lúcia, fomos a uma festa no Clube do Congresso, onde o Presidente da República, João Goulart, recepcionou as três primeiras colocadas do Concurso de Miss Brasil que, naquela época, era um evento prestigiadíssimo. Uma festa magnífica, só que, ao seu término, de madrugada, não havia táxi, ònibus ou qualquer transporte que nos levasse de volta ao Hotel. E assim, como bons atletas, andamos infindáveis quilômetros na madrugada da NOVACAP, ainda sem infraestrutura. Inesquecível ! Poucos meses depois, fomos surpreendidos com a notícia de que o Ginásio que acabáramos de inaugurar virara piscina...de água barrenta. Defeitos de impermeabilização e rebaixamento do lençol haviam causado a invasão do Ginásio pelas águas subterrâneas. Típico dos tempos pioneiros de Brasília, marco inicial da “Marcha para o Oeste” e da inflação galopante que nos vitimaria por muitos anos. Em compensação, o Brasil pode orgulhar-se de ter o mais lindo e monumental conjunto arquitetônico moderno do mundo. Viva Brasília ! Mas não nos esqueçamos, jamais, que dia 21 de abril é o Dia do Alferes Tiradentes e que 22 de abril o Dia do Descobrimento do Brasil. Omissão imperdoável !
2. VOLEIBOL DE ESTRELAS - É impossível deixar de falar na Superliga de Voleibol Feminino, vencida pelo OSASCO com grandes méritos, especialmente considerando o valor das equipes suas adversárias, em especial São Caetano (da Semifinal) e Rio de Janeiro (da Final). As últimas partidas, de elevado nível técnico, foram um desfile de estrelas de primeira grandeza, com jogadas emocionantes e que ressaltam a pujança do voleibol feminino brasileiro. Aliás, há algum tempo, as partidas femininas do esporte da rede se tornaram muito mais interessantes que as masculinas. Os pontos são mais disputados, a bola custa a cair, há mais jogo. No masculino praticamente só existe ataque, desde a violência do saque até as cortadas fulminantes, indefensáveis, o que torna o jogo monótono, sem sequências mais longas. Mas voltando às moças, além de termos algumas das melhores jogadoras adultas do mundo, o processo de renovação é impressionante, pela qualidade das atletas jovens. O paradigma desse rejuvenescimento permanente esteve representado – e muito bem – pela craque Natália do OSASCO que, de forma espetacular, alia força, disciplina tática e requinte técnico. Está de parabéns a CBV - Confederação Brasileira de Voleibol, sob a direção de Ary Graça, cujo bom trabalho de renovação e manutenção preserva nossa hegemonia mundial !
3.FMI AVALIA A ECONOMIA GLOBAL E BRASILEIRA – Saiu a avaliação econômica de abril pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O relatório estima o PIB do Brasil crescendo 5,5% em 2010, acima da média mundial, que ficaria em 4,25%. Mas alerta para o perigo da inflação em nosso País, que na minha opinião deveria aumentar seus juros imediatamente. Outra complicação é o nosso deficit externo, que só não incomoda muito a curto prazo porque temos grandes reservas, acima de US$ 200 bilhões. Em termos gerais, a recuperação mundial excede as expectativas, mas os países ricos crescerão menos que as nações em desenvolvimento. O combate ao desemprego é visto como o grande desafio do futuro próximo e o FMI preconiza maiores investimentos em educação e qualificação profissional para ampliar a empregabilidade das populações trabalhadoras. Outro ponto que exige atenção é a regulamentação mínima necessária para impedir que os agentes financeiros repitam os crimes que cometeram e levaram à crise. Mesmo sendo um liberal, creio que devem existir regras acauteladoras. Agir só "a posteriori" nem sempre é suficiente...
4. DIVERSIDADE ESPORTIVA – Voltando aos jornais franceses, dos quais eu gosto tanto e que me foram trazidos de Paris pela minha filha Cláudia, quero comentar o variado conteúdo do L`ÈQUIPE, que se intitula “Le Quotidien du Sport et de l`Automobile”. Admiro enormemente a diversidade esportiva dos países desenvolvidos, que contrasta com a mesmice brasileira, onde quase tudo é futebol...dentro e fora de campo. Últimamente, até que o voleibol, o basquete, a natação, o judô e o atletismo ganharam algum espaço, o que se deve ao trabalho eficiente do COB, dirigido por Carlos Arthur Nuzman que, sendo inteligente, pode entender bem como a diversidade esportiva amplia e democratiza as oportunidades dos jovens para se realizarem nessa importante atividade humana. Mas ainda é pouco e tenho esperança que as Olimpíadas do Rio funcionarão também nesse sentido, mostrando novos caminhos, modalidades ainda desconhecidas no Brasil e para as quais certamente temos material humano potencialmente apto. Confesso que minha vida seria menos feliz se eu não tivesse tido a chance de preencher essa dimensão de minha personalidade, através da qual eu me expressava, construía uma velhice sadia e com uma rotina atraente. Por acaso, achei um esporte ao qual me adaptei e no qual fiz carreira, mas muitos outros de minha geração devem ter perdido essa oportunidade pois o “seu esporte” simplesmente não estava disponível no Brasil. Nas 18 páginas do L`ÈQUIPE há 9 dedicadas ao futebol, 1 ao rugby, 1 ao basquete, 1 à publicidade, 1 ao golfe, sendo as 5 restantes divididas entre inúmeros esportes: voleibol, surf, halterofilismo, atletismo, curling, boxe, tênis, iatismo, hóquei no gelo, judô, ciclismo, pentatlo moderno, handebol, automobilismo, motociclismo, ski alpino. Retrato do rico mosaico esportivo francês. Uma delícia para um esportista curioso e eclético ! A posição de supremacia do futebol é quase permanente, mas a distribuição entre os demais esportes varia de acordo com suas temporadas e as estações do ano, mas há modalidades para todos os gostos... Essa espécie de desenvolvimento é que precisamos conquistar para o Brasil, gigante demográfico e étnico que pode ser uma grande potência esportiva. E a Educação tem um papel primordial a desempenhar nessa desejável evolução.

domingo, 18 de abril de 2010

CIGANOS, EMPREGO E ALFABETIZAÇÃO

1.CIGANOS PERSEGUIDOS – Voltando de breve viagem de trabalho a Amsterdam, minha filha Cláudia, na escala em Paris, conhecendo os gostos do pai, comprou logo a banca de jornais inteira: LE MONDE, LE FIGARO, LIBÉRATION e L´ÈQUIPE. Bem, L`HUMANITÉ ela sabe que não, embora eu esteja muito curioso em relação às conclusões que sairão de um Congresso da Juventude Comunista que está acontecendo em Gennevilliers, no qual o lema dos congressistas é “les jeunes communistes veulent s`ancrer dans le réel” (os jovens comunistas querem se ancorar na realidade). Creio que a realidade nua e crua aconselha-os a abandonar imediatamente o Partido (PCF) e seu projeto de poder... Mas esse seria outro assunto. O fato é que me imaginei numa bela manhã de primavera, sentado ao sol no Jardin du Luxembourg, perto daquela esquina do Boulevard Saint Michel com a Rue Soufflot, que acaba lá em frente ao Panthéon, e comecei a ler aqueles jornais inspiradores. O resultado com o LE MONDE foi de tristeza e merece um comentário. Em seu editorial, de 11/12 de abril de 2010, está a denúncia explícita da discriminação de que são alvo os ciganos na Europa e de suas degradantes condições de vida. O jornal considera que a população Rom, com um total de 12 milhões de pessoas, foi a que mais sofreu com a recente crise econômica. Cerca de 90% dos gitanos já abandonaram o nomadismo, mas seu acesso à habitação, educação, emprego e serviços de saúde não progrediu nos últimos 20 anos e a crise foi mais uma boa desculpa para não investir no seu atendimento. Depois de 2005, com a expansão da União Européia, que passou a abrigar 9 milhões de zíngaros entre seus cidadãos, o livre deslocamento dentro de seu território ocasionou seu afluxo ampliado em direção aos países mais a ocidente, que só agora se preparam para acolhê-los de modo adequado. Abordei anteriormente, neste blog, o caso brutal da jovem mãe cigana de Jundiaí, que teve seu bebê - que ela ainda amamentava ! - arrancado à força de seus braços e “confiscado” para um orfanato, por ordem judicial. Notei que nenhuma ONG se levantou em seu favor. Fui pesquisar no Google e constatei que mesmo no plano internacional poucos se interessam pela salvaguarda dos direitos desse povo. Mas surgiu uma esperança, quando soube que o financista George Soros, há 25 anos, financia projetos em favor dos Manouches, através do seu OPEN SOCIETY INSTITUTE e que o Governo Obama atribui prioridade à inclusão social dos Romanichels e pressionará a Europa a assegurar os direitos dessa etnia. Como a Romênia foi o país de origem da maioria de Tziganes que emigraram, nos últimos anos, para a França, os dois países estão fazendo um oportuno acordo para reprimir o tráfico de pessoas. Povo tão perseguido, sofrido, de cultura tão original e interessante, merece melhor sorte e o apoio universal. E que o espírito totalitário que aflorou em Jundiaí seja definitivamente banido de nosso território, onde normalmente se pratica a tolerância e a solidariedade.
2. EMPREGO COM FORÇA TOTAL - Em março de 2010, com base nos números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, foram criados 266.415 novos empregos no Brasil. No primeiro trimestre, o acumulado é de 657.259 novos postos de trabalho abertos. Em números absolutos, os saldos positivos dos setores de Serviços (106 mil), Indústria de Transformação (72 mil), Construção Civil (39 mil) e Comércio (29 mil) são alentadores. Mas não se deve esquecer que estamos, em parte, recuperando o terreno perdido em 2009: primeiro, ocupando uma grande capacidade ociosa gerada na crise; de outro lado, suprindo muitas demandas reprimidas de então. Esgotado esse acelerado processo compensatório, o crescimento do emprego já não será tão portentoso quanto o foi neste primeiro trimestre de 2010. Em março houve ainda o crescimento de 4,37%, no salário médio real de admissão, muito influenciado pelo aumento do salário mínimo acima da inflação. Aliás, a inflação aumentou e vem aí aumento de juros, que contribuirá para frear a euforia existente. Mas 2010 promete algo como 1,8 milhão de novos empregos e um crescimento de mais de 5% no Produto Interno Bruto (PIB). Excelente perspectiva...
3. ÓCULOS DE LEITURA - Em matéria inserida na edição de 16 de abril de 2010, do JORNAL DO BRASIL, o Ministro da Educação Sergio Haddad anunciou que “por meio de uma parceria feita com o Ministério da Saúde, vão ser distribuídos óculos de grau.......para aqueles estudantes com alguma deficiência visual” que a partir de agora frequentem o BRASIL ALFABETIZADO, programa de alfabetização mantido pelo Governo Federal e que, segundo o Ministro, tem 1,9 milhão de adultos e jovens matriculados, dos quais 1,6 milhão frequentam efetivamente as salas de aula. Uma boa medida, a que pretende agora executar o Governo Federal. Dentre minhas recordações, existe uma relacionada a esse tema que me traumatizou... Visitava uma Prefeitura do interior e o Presidente da Comissão Municipal (COMUN) do MOBRAL, com grande espírito de iniciativa, foi-me mostrando suas inúmeras realizações. Realmente seu trabalho era muito abrangente e criativo. Em determinado momento disse-me, entusiasmado, que resolveu os problemas de visão dos nossos alunos de modo muito simples: fez uma campanha, pedindo aos demais munícipes que doassem seus óculos de grau usados que não mais lhes serviam. “Aí - disse-me ele entusiasmado - a turma do MOBRAL chegava na COMUN, ia provando os óculos, até que achasse um com o qual passavam a enxergar melhor e ganhavam de presente...” Provavelmente por essas e por outras é que se diz que de boas intenções o inferno está cheio.... O fato é que não tardei a tomar a decisão e, em 1978, o MOBRAL passou a doar óculos aos seus alunos, em uma iniciativa pioneira... A meta, que era distribuir 100.000 (cem mil) óculos, foi ultrapassada graças às economias conseguidas ao longo da execução do projeto. Lendo o Relatório do MOBRAL para o período 1974-1978, sabe-se que “em 1978 foi implantada a Campanha Ver... Ler... Viver, de doação de óculos, em 833 municípios, cobrindo todas as Unidades da Federação e atendendo a 107.000 alunos. Além desses, grande número de portadores de visão subnormal, cuja solução independe de uso de óculos, foi examinado e, de acordo com as possibilidades locais, encaminhado a tratamento médico. Os óculos são doados pelo MOBRAL e os exames oftalmológicos pagos pelo INAMPS e feitos por médicos mobilizados pelas Coordenações Estaduais e Territoriais e pelas Comissões Municipais.” Já lá se vão 32 anos...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

RIO VACINADO REMOVE FAVELAS

1. RIO DE JANEIRO: 2010 OU 1904 ? - Acabo de ler a excelente tese de doutorado da Professora Carla Mary da Silva Oliveira, intitulada “Saudades d’além mar: um estudo sobre a imigração portuguesa no Rio de Janeiro através da revista Lusitania (1929-1934)”. E não é que, com sua descrição do ambiente de nossa cidade àquela época, me dei conta de que vivemos, hoje, dias muito semelhantes aos do remoto início do século XX ? A tese enfatiza que “...a reurbanização da área central da cidade, com o bota-abaixo do prefeito Pereira Passos; as campanhas sanitaristas de Oswaldo Cruz, que levariam à Revolta da Vacina... Todos estes fatos históricos, cada um a seu modo, convulsionaram de forma marcante a cidade, deixando expostas suas mazelas sociais e a extrema desigualdade......”. Por incrível que pareça, um século depois, nosso Rio de Janeiro vive um momento similar e precisaria repetir a cruzada em favor da vacinação obrigatória, liderada por Oswaldo Cruz e a gestão urbanística corajosa de Pereira Passos ao estilo “bota-abaixo”, combatendo a “metástase urbana”, demolindo cortiços e barracos insalubres. Heróis do progresso, muito criticados pelos seus contemporâneos, a sabedoria de ambos foi consagrada pelo tempo. Hoje, um número pequeno de pessoas (20% do esperado) está tomando a vacina contra a gripe suína, havendo muitos recalcitrantes que duvidam dos seus benefícios e até acreditam em hipotéticos malefícios, com base em teorias de conspiração absurdas que andam circulando na internet. Por outro lado, já há um considerável número de críticos à sábia disposição do Prefeito Eduardo Paes para remover favelas em áreas de risco, a começar pelo Morro dos Prazeres e parte da Rocinha, onde acabam de morrer dezenas de pessoas. Com os avanços da ciência e da tecnologia e seus frutos visíveis para a Humanidade, duvidar de uma vacina que já foi aplicada em centenas de milhões de seres humanos é o cúmulo do obscurantismo. Da mesma forma, apoiar o refrão demagógico e populista, de que “favela não se remove, se urbaniza”, quando o Muro de Berlim já caiu há duas décadas e soterrou esse tipo de ideologia, é um desafio à inteligência da opinião pública. Vivamos no século XXI, minha gente ! 2.O CASARIO E AS GENTES DA VELHA IPANEMA - Dizem os historiadores que o Loteamento Villa Ipanema acabou de vender todos os terrenos em 1927, ano que se considera como o da consolidação do novo bairro. A primeira geração de casas de Ipanema foi erguida principalmente no final dos anos 20 e na década de 30. A Equitativa de Seguros Gerais, uma estatal, foi uma grande incorporadora dessa fase pioneira e construiu em 1939 os amplos prédios geminados da Rua Visconde de Pirajá 300 (futuro Colégio Bernadette) e 302, que foi nossa moradia até 1973. Algumas casas do bairro eram tradicionais, térreas, com porões; outras de dois andares, mistas, sendo a maioria assobradada, com loja no piso térreo e a moradia, geralmente dos donos do negócio, no andar de cima. Havia também muitas vilas e uns raros prédios mais altos. Os edifícios de que me lembro e existem até hoje são: o número 3 da Visconde de Pirajá, na esquina com Gomes Carneiro; aquele em que morou o Walter Clark, de três andares, na Visconde de Pirajá 114, e o Edifício Estrela, mais alto, com 5 andares, do lado par da mesma rua, próximo à Praça N.S. da Paz. A maior das vilas de Ipanema, embora um pouco modificada, também existe até hoje e fica na Barão da Torre 100. Lá moraram Domingos Vaz Afonso e sua mulher Lurdes, amigos de meus pais por dezenas de anos; Celso Martins, meu colega no Colégio Mello e Souza; Demétrio e José Lucas, meus companheiros no Fontainha. Os construtores, mestres de obras, eram em geral portugueses e dois deles, amigos de meu pai: Sr. Marques, que morava na Barão da Torre e Sr. Jucundino, que morava na Sadock de Sá. A maioria dos operários também vinha da “terrinha”. Os mais pobres moravam na Vila Carmo - encostada ao morro do Cantagalo, no canto da Rua Nascimento Silva. Era um conjunto de casas populares precárias, de madeira, com instalações sanitárias coletivas e ruas de terra. Viviam ali os carvoeiros, carregadores, lavadeiras, carroceiros, tropeiros (ainda havia equinos para trabalhos no bairro), tripeiros, leiteiros, criadores de aves (principalmente galináceos e pombos), porcos e vacas, limpadores de fossas, vendedores ambulantes, entregadores, jardineiros, trabalhadores das pedreiras e das contruções – enfim, o lúmpen-proletariado. Outros, ainda mais pobres já iniciavam, também, a ocupação do morro do Cantagalo com uns poucos barracos. Ipanema foi um bairro com muitos imigrantes em sua origem, o que explica seu caráter visceralmente cosmopolita e o fato de servir de interface pioneira com as inovações sociais e culturais que chegavam do exterior. Além da maioria de portugueses, havia também numerosos árabes (sírios e libaneses), judeus da Europa Central e Oriental, italianos, alemães, austríacos, japoneses e espanhóis. Ali viviam também uns poucos ingleses, que formavam uma classe à parte, da elite industrial colonizadora, composta pelos executivos e funcionários graduados da Light and Power, do Moinho Inglês (Rio de Janeiro Flour Mills and Granaries), da Telefônica etc. E, naturalmente, havia os brasileiros: da classe rica ou média ascendente e alguns funcionários públicos federais do alto escalão, todos à busca de sossego e de uma vida de praia, no bairro distante e despovoado. Os imigrantes das várias procedências conviviam intensamente entre si, em paz. Eram todos amigos, apesar da eclosão da II Guerra Mundial, inaugurando uma tradição de tolerância mútua que no Brasil geralmente teima em ignorar os conflitos internacionais. Naquela manhã da rendição nazista, em 8 de maio de 1945, o fim da II Guerra Mundial na Europa, Ipanema acordou às seis horas, com os rádios nas alturas, tocando a Marselhesa e todos indistintamente comemoraram. Para eles, não era a vitória deste ou daquele País, mas sobretudo a volta da tão esperada Paz, o despertar de um pesadelo, o fim dos racionamentos e do gasogênio, o poder arrancar e jogar fora aqueles panos negros horríveis com os quais, todas as noites, cobríamos nossas janelas que davam para o mar, para que o inimigo não visse nossas luzes, seus alvos jamais atingidos. Talvez os imigrantes se juntassem defensivamente, à época, por se sentirem discriminados. Os brasileiros ricos, em geral, “não se misturavam”- como eles próprios costumavam dizer- e isso era visível nas primeiras décadas do cotidiano de Ipanema. Havia exceções, mas em regra seus filhos – coitados ! - ficavam em casa, presos, enquanto nós, “os meninos da rua” – com quem eles não podiam conviver - aproveitávamos tudo que aquele paraiso nos oferecia: praia de jogar bola, nadar, “pegar jacaré” e puxar arrastão; chácaras de subir em árvore e pegar passarinho; terrenos baldios com cabanas, “guerras” de mamona e muitas aventuras; calçadas de andar de bicicleta, pular carniça ou amarelinha, jogar bola de gude ou pião; os passeios de bonde até o Parque da Cidade; a Lagoa Rodrigo de Freitas maravilhosa, com pedalinhos, areia e tudo, futebol e voleibol, muitos peixes e seus flamboyants. Aquela discreta separação, que era disfarçada pela cerimônia natural que, à época, as pessoas mantinham no trato diário, foi-se esmaecendo no Governo Getúlio Vargas e definitivamente desfeita pelos novos costumes de após-guerra. Na origem da mudança, a contribuição da Revolução de 1930, que implantara uma ditadura política em 1937 mas em contrapartida dera um empurrão positivo no proletariado urbano e estimulara a mobilidade social, a base de um País mais democrático socialmente. É claro que havia exceções desde sempre e muitos filhos das famílias mais ricas conviviam sem restrições e usufruíam Ipanema em sua integralidade. Era o caso, por exemplo, do Gil Carneiro de Mendonça, atleta, jogador de futebol e voleibol, futuro Presidente do Fluminense. Apesar dessa mentalidade separatista, Ipanema sempre foi o berço privilegiado dos movimentos em favor da liberdade, da distensão e da tolerância; onde a praia pública sempre funcionou como um espaço inevitavelmente democratizante, ao qual nenhuma discriminação conseguia resistir. Mesmo a maior soberba inclina-se à mesmice simplificadora do calção e do maiô. Embora fosse proibido andar sem camisa até se chegar à Vieira Souto – essa era uma postura municipal que resistiu aos anos 40 e parte dos 50 ! - uma vez na areia ou na água, éramos todos iguais. Havia algumas casas de alto padrão, de famílias muito ricas, que impressionavam a garotada de Ipanema. Uma era na Vieira Souto, da família do Marcio Moreira Alves, com um campo gramado de voleibol na frente. Outra, era a casa da família Adler de Aquino, na esquina da Montenegro com a praia, onde havia um enorme campo de futebol. Eram redutos intransponíveis para os garotos comuns e muito invejados pelos animados jogos lá realizados. Não sei se pelo fato de vivermos sob uma ditadura ou porque a entrada do Brasil na guerra exigia maior controle social, o certo é que tínhamos que pagar uma taxa anual para possuir um aparelho de rádio; éramos obrigados a licenciar nossas bicicletas e a matricular nossos cães na Prefeitura. Presumivelmente, o Governo saberia de toda nossa vida. E os fiscais, o “rapa” e a “carrocinha” eram implacáveis com os esquecidos. Mas no geral era uma época maravilhosa.
3.O CALCULISTA - Próximo à passagem do cargo para seu antecessor, o então Prefeito Cesar Maia disse que “cálculos não eram o forte de Eduardo Paes”. Agora, Paes provou que não é bem assim e devolveu a gracinha com uma informação acachapante: fez as contas direitinho e informou que Cesar Maia, quando Prefeito, gastou no Morro dos Prazeres verbas de R$ 78.000,00 (setenta e oito mil reais) por barraco existente na favela àquela época, em obras cosméticas, que não resolveram o problema essencial da comunidade: a segurança de suas construções. O gasto foi no âmbito do projeto Favela Bairro, que acabou atraindo mais moradores para vários locais que talvez ainda venham a desabar. Com os 78 mil reais por barraco, dessas obras ornamentais de Cesar Maia, seria possível construir duas casas populares de bom padrão, em terreno totalmente urbanizado na periferia carioca. Mesmo não sendo tão bons nos cálculos que interessam à eficiência da gestão pública, os demagogos são calculistas refinados, porque seu objetivo único é o voto dos incautos e nisso eles acertam sempre...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

INTERVENÇÃO ESTATAL NA PRAÇA DOS SONHOS

1.PRAÇA GENERAL OSÓRIO – O centro nervoso de Ipanema gira em torno da Praça Nossa Senhora da Paz. Mas nem sempre foi assim. Talvez pela proximidade com Copacabana, o bairro mais importante da Zona Sul, a Praça General Osório (antiga Praça Floriano Peixoto) era o polo comercial de Ipanema nas primeiras décadas de sua ocupação,. Em volta dela e nas suas proximidades estavam as padarias (Brasil e das Famílias); o Velo Esportivo Helênico (clube de ciclismo); os colégios (Fontainha, Guanabara e mais tarde o Mello e Souza feminino e a escola pública José Linhares); os bares (Renânia e Ipanema); o armazém chique (Casa Osório); a tinturaria (Geisha, do Seu Oushida); a banca de jornais (do Chico) em frente ao ponto do bonde; as papelarias (Casa Mattos e Casa Umary); os bilhares (Moderno, onde hoje é o Supermercado Zona Sul); os armarinhos e lojas de confecções (Casa Madame Rosa, Casa Miro); as sapatarias (a Renomé, do Seu Adolfo e a Futurista); a bela Confeitaria Pirajá e o saudoso Cinema Ipanema. Fator importante de progresso, a linha de bondes há anos já havia sido retirada da praia – que ganhara duas pistas, com um canteiro central – e passara para a Rua Visconde de Pirajá (antiga Rua 20 de Novembro). Na Rua Teixeira de Melo, posteriormente, ficou o ponto final do bonde 14, que entrava até um rodo na Rua Barão da Torre e fazia o retorno para Copacabana e Botafogo. Muitos dos boêmios do bairro se reuniam no Renânia (depois chamado Jangadeiros) e no Café e Bar Ipanema – que não fechava nunca - para varar a madrugada, bebendo e falando mal do governo ditatorial de Vargas até o nascer do sol lá pelos lados do Arpoador, atacando os olhos de toda aquela fauna de notívagos. Contava-se que Chico Brito, boêmio famoso de Ipanema, certa madrugada, em plena Praça General Osório, aos berros, urinara no retrato de Getúlio Vargas, que retirara à força de uma casa comercial das vizinhanças. Na ditadura, todos os estabelecimentos eram obrigados a ostentar o retrato oficial, devidamente emoldurado, do Presidente, só retirado em 1945, quando o Estado Novo teve fim. A praça era notável pelo Chafariz das Saracuras, uma obra do Mestre Valentim, feita em 1795, ainda no Brasil Colônia e que para lá foi transferida em 1917, do Convento da Ajuda, no Centro. O nome devia-se a ter a bacia de cantaria ornamentada por quatro tartarugas e quatro saracuras de bronze, depois substituídas por suas réplicas. A Praça era bem arborizada, com muitas amendoeiras, ficus arbustivos e quatro grandes gramados laterais, um em cada esquina. Foi neles que os garotos de Ipanema como o Walter Clark, o Geraldinho, o Alfredo Ferrugem e muitos outros, como eu, deram seus primeiros chutes, no futebol quase diário, sempre perseguidos pela DGI (sigla, creio, de Delegacia Geral de Investigações) - a polícia motorizada que confiscava nossas bolas, pelo crime (???) de praticarmos o esporte bretão em um parque público. Havia outras forças policiais no Rio de então: a Polícia Municipal, de farda cinzenta; a Polícia Civil, de farda verde e a Polícia Especial, que funcionara como Polícia política de Getúlio Vargas, chefiada por Eusébio de Queirós e subordinada diretamente a Filinto Mueller, formada por homens fortíssimos, com seus chapéus vermelhos, chamados sempre que a confusão era grossa. A comunidade ainda mantinha a Guarda Noturna, com seus apitos, para fazer rondas quando caía a noite. Mas só a DGI reprimia nosso futebol. Não parecia ter muito o que investigar, numa cidade então pacífica e ordeira. Corríamos muito e eles surgiam do nada, em suas camionetes sorrateiras, para conseguir ficar com a nossa bola (essa, a punição pelo crime). Missão muito difícil – eles não eram muito “bons de bola” nem de corrida. Isso tudo acabou quando a Prefeitura resolveu fazer uma reforma radical na Praça General Osório. Até então, de dia, os grandes frequentadores da Praça éramos nós, os garotos das casas e colégios vizinhos, que andávamos de bicicleta e brincávamos por lá. Havia também a turma de rapazes mais velhos, que jogavam bola na praça: Rubens Japonês e seu irmão Silvio Borboleta, filhos do Seu Oushida da tinturaria, Sanny, Toninho Barriga, Cesário, Bigodinho, os irmãos Seabra, meu primo Zeca Paes e muitos outros. A noite, é claro, a praça muito escura era dos casais de namorados. Menção especial para os Fuzileiros Navais, também muito visíveis em Ipanema, com sua farda vermelha e seus gorros com fitinhas pretas - namoradores prediletos das empregadas domésticas e que costumavam se meter em brigas memoráveis. A reforma da Praça deve ter custado caro: tudo foi remexido, fizeram lagos, espelhos d’água, canteiros, plantaram arbustos novos e acabaram com os gramados e o nosso futebol. Parece ter sido encomendado: uma pracinha diferente, sem grama, sem graça ... e sem garotos, é claro. Para ver e não para usar. Raramente voltamos lá, depois disso... A reforma da Praça General Osório, creio que no fim dos anos 40 ou início dos anos 50, pecou pela mesma razão pela qual se frustram muitos projetos brasileiros: falta de sintonia com o povo, os usuários, os principais interessados. Planos de escritório, de burocratas desinformados e despreparados. Rios de dinheiro gastos para nada, ou pior: para descontentar a população. A perda da General Osório marcou todos os garotos do bairro. Muitos anos depois, quando o Walter Clark dirigia a TV GLOBO e eu era Presidente do MOBRAL, almoçávamos com o Boni, no Restaurante Panelão, no Leblon, e comentamos aquele episódio. Ele o sentira exatamente como eu. O interessante é que essa grande frustração me inspirou, no MOBRAL, para a adoção de uma metodologia de consulta à população antes da intervenção governamental - presumivelmente sempre em seu favor e que nem sempre o é, pelo desconhecimento das autoridades em relação às realidades locais. Quem conhece a comunidade é quem mora nela – base lógica do chamado planejamento participativo, assentado nas aspirações e opiniões das populações residentes. No MOBRAL, o povo passou a participar e ter a palavra decisiva nos seus planos a nível municipal, a partir do PRODAC – Programa de Desenvolvimento e Ação Comunitária. Mas na Praça General Osório a garotada não teve vez. De qualquer modo, só de lembrar que meus pais se conheceram em frente ao chafariz de pedra que evocava as fontes das suas aldeias de origem e que ainda lá está, só isso dá idéia da magia da Praça para mim. 2.DIREITOS NEGADOS – Estarrecido, percebi através de dois noticiários diferentes que os agentes totalitários estão mais ativos do que nunca, vigiando a sociedade brasileira e atacando qualquer demonstração de exercício da liberdade que possa impedir sua marcha para a ditadura mais torpe. A manchete, apresentada como se retratasse um grande escândalo nacional, era mais ou menos assim: “Escolas particulares utilizam apostilas que não passaram pelo crivo do Ministério da Educação”. O que está subentendido nessa manchete é que o MEC deve censurar a educação recebida por nossos filhos na rede privada de ensino. Um absurdo total, uma visível preparação para que a população entenda como normal esse tipo odioso de censura. E nossas liberdades individuais e de nossas famílias, onde ficam? Claro que o material didático de nossas escolas não deveria mesmo receber a crítica de qualquer órgão governamental, pois os pais e a opinião pública são as instâncias legítimas para fazê-lo. Paradoxal que os meios de comunicação são unânimes em defender a liberdade de imprensa e repelir qualquer tentativa de censurá-la. Mas quando se trata de Educação, esses mesmos meios se omitem ou agem ao contrário. Hipocrisia, vergonha e totalitarismo !