segunda-feira, 12 de abril de 2010

RIO VACINADO REMOVE FAVELAS

1. RIO DE JANEIRO: 2010 OU 1904 ? - Acabo de ler a excelente tese de doutorado da Professora Carla Mary da Silva Oliveira, intitulada “Saudades d’além mar: um estudo sobre a imigração portuguesa no Rio de Janeiro através da revista Lusitania (1929-1934)”. E não é que, com sua descrição do ambiente de nossa cidade àquela época, me dei conta de que vivemos, hoje, dias muito semelhantes aos do remoto início do século XX ? A tese enfatiza que “...a reurbanização da área central da cidade, com o bota-abaixo do prefeito Pereira Passos; as campanhas sanitaristas de Oswaldo Cruz, que levariam à Revolta da Vacina... Todos estes fatos históricos, cada um a seu modo, convulsionaram de forma marcante a cidade, deixando expostas suas mazelas sociais e a extrema desigualdade......”. Por incrível que pareça, um século depois, nosso Rio de Janeiro vive um momento similar e precisaria repetir a cruzada em favor da vacinação obrigatória, liderada por Oswaldo Cruz e a gestão urbanística corajosa de Pereira Passos ao estilo “bota-abaixo”, combatendo a “metástase urbana”, demolindo cortiços e barracos insalubres. Heróis do progresso, muito criticados pelos seus contemporâneos, a sabedoria de ambos foi consagrada pelo tempo. Hoje, um número pequeno de pessoas (20% do esperado) está tomando a vacina contra a gripe suína, havendo muitos recalcitrantes que duvidam dos seus benefícios e até acreditam em hipotéticos malefícios, com base em teorias de conspiração absurdas que andam circulando na internet. Por outro lado, já há um considerável número de críticos à sábia disposição do Prefeito Eduardo Paes para remover favelas em áreas de risco, a começar pelo Morro dos Prazeres e parte da Rocinha, onde acabam de morrer dezenas de pessoas. Com os avanços da ciência e da tecnologia e seus frutos visíveis para a Humanidade, duvidar de uma vacina que já foi aplicada em centenas de milhões de seres humanos é o cúmulo do obscurantismo. Da mesma forma, apoiar o refrão demagógico e populista, de que “favela não se remove, se urbaniza”, quando o Muro de Berlim já caiu há duas décadas e soterrou esse tipo de ideologia, é um desafio à inteligência da opinião pública. Vivamos no século XXI, minha gente ! 2.O CASARIO E AS GENTES DA VELHA IPANEMA - Dizem os historiadores que o Loteamento Villa Ipanema acabou de vender todos os terrenos em 1927, ano que se considera como o da consolidação do novo bairro. A primeira geração de casas de Ipanema foi erguida principalmente no final dos anos 20 e na década de 30. A Equitativa de Seguros Gerais, uma estatal, foi uma grande incorporadora dessa fase pioneira e construiu em 1939 os amplos prédios geminados da Rua Visconde de Pirajá 300 (futuro Colégio Bernadette) e 302, que foi nossa moradia até 1973. Algumas casas do bairro eram tradicionais, térreas, com porões; outras de dois andares, mistas, sendo a maioria assobradada, com loja no piso térreo e a moradia, geralmente dos donos do negócio, no andar de cima. Havia também muitas vilas e uns raros prédios mais altos. Os edifícios de que me lembro e existem até hoje são: o número 3 da Visconde de Pirajá, na esquina com Gomes Carneiro; aquele em que morou o Walter Clark, de três andares, na Visconde de Pirajá 114, e o Edifício Estrela, mais alto, com 5 andares, do lado par da mesma rua, próximo à Praça N.S. da Paz. A maior das vilas de Ipanema, embora um pouco modificada, também existe até hoje e fica na Barão da Torre 100. Lá moraram Domingos Vaz Afonso e sua mulher Lurdes, amigos de meus pais por dezenas de anos; Celso Martins, meu colega no Colégio Mello e Souza; Demétrio e José Lucas, meus companheiros no Fontainha. Os construtores, mestres de obras, eram em geral portugueses e dois deles, amigos de meu pai: Sr. Marques, que morava na Barão da Torre e Sr. Jucundino, que morava na Sadock de Sá. A maioria dos operários também vinha da “terrinha”. Os mais pobres moravam na Vila Carmo - encostada ao morro do Cantagalo, no canto da Rua Nascimento Silva. Era um conjunto de casas populares precárias, de madeira, com instalações sanitárias coletivas e ruas de terra. Viviam ali os carvoeiros, carregadores, lavadeiras, carroceiros, tropeiros (ainda havia equinos para trabalhos no bairro), tripeiros, leiteiros, criadores de aves (principalmente galináceos e pombos), porcos e vacas, limpadores de fossas, vendedores ambulantes, entregadores, jardineiros, trabalhadores das pedreiras e das contruções – enfim, o lúmpen-proletariado. Outros, ainda mais pobres já iniciavam, também, a ocupação do morro do Cantagalo com uns poucos barracos. Ipanema foi um bairro com muitos imigrantes em sua origem, o que explica seu caráter visceralmente cosmopolita e o fato de servir de interface pioneira com as inovações sociais e culturais que chegavam do exterior. Além da maioria de portugueses, havia também numerosos árabes (sírios e libaneses), judeus da Europa Central e Oriental, italianos, alemães, austríacos, japoneses e espanhóis. Ali viviam também uns poucos ingleses, que formavam uma classe à parte, da elite industrial colonizadora, composta pelos executivos e funcionários graduados da Light and Power, do Moinho Inglês (Rio de Janeiro Flour Mills and Granaries), da Telefônica etc. E, naturalmente, havia os brasileiros: da classe rica ou média ascendente e alguns funcionários públicos federais do alto escalão, todos à busca de sossego e de uma vida de praia, no bairro distante e despovoado. Os imigrantes das várias procedências conviviam intensamente entre si, em paz. Eram todos amigos, apesar da eclosão da II Guerra Mundial, inaugurando uma tradição de tolerância mútua que no Brasil geralmente teima em ignorar os conflitos internacionais. Naquela manhã da rendição nazista, em 8 de maio de 1945, o fim da II Guerra Mundial na Europa, Ipanema acordou às seis horas, com os rádios nas alturas, tocando a Marselhesa e todos indistintamente comemoraram. Para eles, não era a vitória deste ou daquele País, mas sobretudo a volta da tão esperada Paz, o despertar de um pesadelo, o fim dos racionamentos e do gasogênio, o poder arrancar e jogar fora aqueles panos negros horríveis com os quais, todas as noites, cobríamos nossas janelas que davam para o mar, para que o inimigo não visse nossas luzes, seus alvos jamais atingidos. Talvez os imigrantes se juntassem defensivamente, à época, por se sentirem discriminados. Os brasileiros ricos, em geral, “não se misturavam”- como eles próprios costumavam dizer- e isso era visível nas primeiras décadas do cotidiano de Ipanema. Havia exceções, mas em regra seus filhos – coitados ! - ficavam em casa, presos, enquanto nós, “os meninos da rua” – com quem eles não podiam conviver - aproveitávamos tudo que aquele paraiso nos oferecia: praia de jogar bola, nadar, “pegar jacaré” e puxar arrastão; chácaras de subir em árvore e pegar passarinho; terrenos baldios com cabanas, “guerras” de mamona e muitas aventuras; calçadas de andar de bicicleta, pular carniça ou amarelinha, jogar bola de gude ou pião; os passeios de bonde até o Parque da Cidade; a Lagoa Rodrigo de Freitas maravilhosa, com pedalinhos, areia e tudo, futebol e voleibol, muitos peixes e seus flamboyants. Aquela discreta separação, que era disfarçada pela cerimônia natural que, à época, as pessoas mantinham no trato diário, foi-se esmaecendo no Governo Getúlio Vargas e definitivamente desfeita pelos novos costumes de após-guerra. Na origem da mudança, a contribuição da Revolução de 1930, que implantara uma ditadura política em 1937 mas em contrapartida dera um empurrão positivo no proletariado urbano e estimulara a mobilidade social, a base de um País mais democrático socialmente. É claro que havia exceções desde sempre e muitos filhos das famílias mais ricas conviviam sem restrições e usufruíam Ipanema em sua integralidade. Era o caso, por exemplo, do Gil Carneiro de Mendonça, atleta, jogador de futebol e voleibol, futuro Presidente do Fluminense. Apesar dessa mentalidade separatista, Ipanema sempre foi o berço privilegiado dos movimentos em favor da liberdade, da distensão e da tolerância; onde a praia pública sempre funcionou como um espaço inevitavelmente democratizante, ao qual nenhuma discriminação conseguia resistir. Mesmo a maior soberba inclina-se à mesmice simplificadora do calção e do maiô. Embora fosse proibido andar sem camisa até se chegar à Vieira Souto – essa era uma postura municipal que resistiu aos anos 40 e parte dos 50 ! - uma vez na areia ou na água, éramos todos iguais. Havia algumas casas de alto padrão, de famílias muito ricas, que impressionavam a garotada de Ipanema. Uma era na Vieira Souto, da família do Marcio Moreira Alves, com um campo gramado de voleibol na frente. Outra, era a casa da família Adler de Aquino, na esquina da Montenegro com a praia, onde havia um enorme campo de futebol. Eram redutos intransponíveis para os garotos comuns e muito invejados pelos animados jogos lá realizados. Não sei se pelo fato de vivermos sob uma ditadura ou porque a entrada do Brasil na guerra exigia maior controle social, o certo é que tínhamos que pagar uma taxa anual para possuir um aparelho de rádio; éramos obrigados a licenciar nossas bicicletas e a matricular nossos cães na Prefeitura. Presumivelmente, o Governo saberia de toda nossa vida. E os fiscais, o “rapa” e a “carrocinha” eram implacáveis com os esquecidos. Mas no geral era uma época maravilhosa.
3.O CALCULISTA - Próximo à passagem do cargo para seu antecessor, o então Prefeito Cesar Maia disse que “cálculos não eram o forte de Eduardo Paes”. Agora, Paes provou que não é bem assim e devolveu a gracinha com uma informação acachapante: fez as contas direitinho e informou que Cesar Maia, quando Prefeito, gastou no Morro dos Prazeres verbas de R$ 78.000,00 (setenta e oito mil reais) por barraco existente na favela àquela época, em obras cosméticas, que não resolveram o problema essencial da comunidade: a segurança de suas construções. O gasto foi no âmbito do projeto Favela Bairro, que acabou atraindo mais moradores para vários locais que talvez ainda venham a desabar. Com os 78 mil reais por barraco, dessas obras ornamentais de Cesar Maia, seria possível construir duas casas populares de bom padrão, em terreno totalmente urbanizado na periferia carioca. Mesmo não sendo tão bons nos cálculos que interessam à eficiência da gestão pública, os demagogos são calculistas refinados, porque seu objetivo único é o voto dos incautos e nisso eles acertam sempre...

2 comentários:

  1. Arlindo: 1. As vilas de Ipanema: aquela em que morei, na Alberto de Campos n° 125, continua igualzinha ao que era nos anos 30. Nem as cores mudaram. Vale a pena conferir. Quem também morou ali foi o Vitor Nunes Leal, do STF. A vila ao lado (119) onde morava o Julio Bozzano e as casas do Antonio Augusto Dunshee de Abranches e do Pedrinho/Dick (Roberto Peter Reis e Ricardo Carlos Reis) desapareceram faz tempo. A "minha" vila foi a única que subsistiu por lá.
    2. Já os ônibus da Light, ao contrário do que você pensa, não iam só até Copacabana. Havia um que dava a volta da Lagoa e ia para a cidade pelo Humaitá. Se não me engano, o ponto final era no Jardim de Alah. Cansei de andar nesse ônibus quando tinha meus 9 - 10 anos para ir à ACM, no Castelo. Detalhe de que me lembro bem: na volta, quando passava pela curva do Calombo e tínhamos uma vista completa de Ipanema, o edifício que se destacava na paisagem era a Igreja da Paz !!!. Marcos Candau

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  2. Marcos: 1. obrigado pela dica, pois minha omissão foi grave, já que essa área eu conheci bem e jamais esquecerei. Mas sua vila era quase um condomínio, com casas amplas e uma concepção arquitetônica de alto nível, muito diferente das vilas usuais de Ipanema. Quem passar por lá, verá...Como esquecer esse espaço,se meu primeiro jogo de futebol em um "time com camisa" (e não uma pelada qualquer...) foi no campinho do terreno vazio ao lado, na esquina de Alberto de Campos com Montenegro, onde depois construíram um edifício onde a Cleide Alves Ramos morou (ou mora ?. Aliás fiz um golaço de cabeça e ganhamos de 1 x 0 ! A camisa era vermelha com a gola debruada de branco 2. Quanto ao ônibus, eu sempre ia para a Cidade passando em Copacabana e não sabia acerca do outro lado. Mas sabia que a igreja foi o ponto culminante de Ipanema durante muitos anos. Arlindo

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