quinta-feira, 11 de março de 2010

MAIS POBRES E MAIS VELHOS NA ALDEIA DECADENTE

1.PIB NEGATIVO, POVO MAIS POBRE – No texto deste blog intitulado “Ritual Macabro de Verão” (3/1/10), previ que o PIB do Brasil em 2009 iria diminuir em 0,2%. O IBGE divulgou agora os cálculos respectivos, mostrando que o PIB/2009 decresceu exatamente 0,2%: a Agricultura (-5,2%) e a Indústria (-5,5%) tiveram queda, salvando-se o setor de Serviços, que cresceu + 2,6%. Como a população aumenta à taxa anual de 0,99%, o IBGE concluiu que a renda per capita foi reduzida em 1,2% em 2009. De qualquer forma, ressalte-se que o resultado da economia brasileira foi dos menos piores a nível mundial e os dados do PIB no último trimestre do ano passado permitem otimismo em relação à performance esperada para 2010.
2.CENTROS DE CONVIVÊNCIA PARA IDOSOS – Uma prioridade evidente nos nossos grandes centros urbanos, com elevada concentração de pessoas da terceira idade, seria a implantação de unidades comunitárias onde os idosos pudessem ficar durante todo o dia, realizando atividades diversas com a assistência de cuidadores e onde receberiam ao menos uma refeição completa. A finalidade dessas unidades seria contribuir para a manutenção dos idosos no seu meio sócio-familiar, com todas as vantagens psicológicas, econômicas e sociais que essa inserção natural possibilita. Muitos idosos são internados em asilos porque seus familiares não podem cuidar deles, por força de seus afazeres profissionais. O investimento nesses centros seria uma solução relativamente barata, já que os próprios velhos assistidos se entreajudariam, o que minimizaria a utilização de profissionais. O fato de estarem juntos, em uma instituição comunitária, eliminaria a necessidade de maiores esforços de supervisão, que seria feita naturalmente pela própria clientela, seus parentes e vizinhos. Dentre as capitais brasileiras, o Rio de Janeiro é a que apresenta a maior proporção de população idosa. No Censo do ano 2000, as pessoas com 60 anos e mais representavam 12,8% da população carioca, enquanto, na média nacional, essa faixa etária não ultrapassava 8,6%. Como a própria Secretaria Municipal carioca reconhece, “muitas doenças da terceira idade estão relacionadas à depressão e à solidão. Isto pode ser acentuado pelo fato de no Rio de Janeiro, a proporção de mulheres idosas ser muito superior à de homens. Entre as mulheres idosas, predominam as viúvas... A família, cada vez menor e com a participação elevada de mulheres no mercado de trabalho, também fica sobrecarregada com as necessidades dos idosos”. Desse modo, a disseminação desses Centros poderia começar pelas áreas carentes da Cidade do Rio de Janeiro. Uma boa idéia seria fazê-lo imediatamente nas Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs já implantadas nas favelas das zonas sul e oeste.
3.MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM (III) – Deixando Oliveira de Barreiros, munha mãe e eu pegamos um ônibus em Viseu rumo a Lamego e saltamos em Moimenta da Beira. Daí, em táxi, atravessando o Rio Távora, afluente do Douro, pela ponte romana do século I - que ainda estava de pé, pois não haviam construído a Barragem do Vilar - chegamos a Fonte Arcada . subindo uma estrada tortuosa. A acolhida na aldeia foi calorosa. Além dos meus velhos avós maternos (António Castro e Rosa de Jesus), conheci tias e primos, em meio a muitos risos e lágrimas, bem à moda portuguesa. Ficamos hospedados na casa onde nasceu minha mãe, com dois andares, ao estilo da aldeia: no primeiro andar - denominada loja – ficavam a adega e os animais da família, a qual morava nos andares superiores. Prática adotada para proteger os bichos do rigoroso inverno, mas com os inconvenientes que essa coabitação acarretava. Claro que para mim, um garoto citadino, aquele cheiro onipresente de curral era um tremendo incômodo. A vida de meus avós era muito dura e regulada pelas estações do ano e pelo horário solar, como usual nas zonas agrícolas. O casal tivera 7 filhas e nenhum filho homem – um desastre para uma família rural do início do século XX, que precisava de braços para trabalhar a terra, o que se fazia na base da enxada, da foice, do machado e do arado puxado por bois, sem qualquer outro implemento agrícola ou mecanização. Reproduziam ainda então o que já faziam há meio século, só que agora sem o peso das filhas a sustentar. Nos meses menos frios, trabalhavam de sol a sol na agricultura, nas poucas terras que possuíam, cultivadas intensivamente e situadas relativamente longe da aldeia. Também tinham alguns animais, para transporte e trabalhos agrícolas, além da produção de leite, carne e lã. Fabricavam um pouco de azeite e vinho. Com o trigo e o centeio faziam o pão de cada dia. Tudo para consumo próprio, para sobreviver. Praticamente não havia excedentes para vender e transformar em dinheiro, de modo a satisfazer outras necessidades da família. Do pequeno campo de linho – de um verde lindíssimo, gravado até hoje na minha memória – extraiam a fibra vegetal que fiavam e teciam, assim como faziam com a lã das suas ovelhas. Eram os materiais básicos para fabricar algumas de suas roupas (grossos suéters e meias de lã, para resistir ao frio), panos de cozinha, mantas, toalhas e colchas. As técnicas de crochê, bordado, tricot e costura eram dominadas desde cedo pelas moças da casa. Da matança anual dos porcos saía a carne para o consumo imediato, além daquela que seria salgada ou defumada (para os embutidos, que os portugueses chamam de enchidos), de modo a durar pelo resto do ano, especialmente no período de inverno. Moiras (que eu adoro e quase não mais existem, mesmo em Portugal), chouriças, salpicões, morcelas, paios, alheiras, tudo era fabricado em casa e com sabor divinal ! Fiar, tecer, costurar, bordar, fazer crochê, salgar e defumar carnes e fabricar pães e embutidos, essas as principais fainas do inverno. Já se distanciara muito o tempo em que os antepassados dos Castro eram os Senhores da aldeia (de 1530 a 1605 os Castros foram Senhores de Fonte Arcada, sendo o primeiro deles D. Álvaro Fernandes de Castro, filho de D. João de Castro, quarto vice-rei da Índia). No após-guerra, aquela era uma zona rural muito deprimida, decadente, abandonada pelo poder público. Só meio século mais tarde vim a entender o que lhe acontecera, ao conhecer um engenheiro e historiador português que fora criado em Fonte Arcada e que encontrei na internet, ao buscar no Google, em um Dia de Páscoa, algum material sobre a aldeia de minha mãe. Fernando C. Quintais, que escreveu “A Fonte das Recordações”, sobre sua infância em Fonte Arcada, contou-me que a aldeia era um reduto da monarquia absolutista, por força de suas origens imemoriais, já que pertencera a Egas Moniz e depois a Inês de Castro, Rainha de Portugal. Com o aumento do poder político do liberalismo no século XIX e com a vitória dos republicanos, em 1910, os recursos governamentais passaram a ser canalizados para Sernancelhe, reduto dos vencedores e Fonte Arcada, outrora importante, perdeu status e prestígio, mergulhando na recessão. Imagino que quando minha mãe era jovem, seu pai António não tinha como manter a família de nove bocas e poucos braços. Minha mãe veio para o Brasil em 1929, aos 18 anos de idade, fugindo da pobreza com que convivia inconformada. E voltava a Fonte Arcada 17 anos depois de partir, quando seus pais já viviam um pouco melhor, mas ainda nos padrões médios das pobres comunidades rurais do Portugal salazarista. Logo nos primeiros dias após nossa chegada, houve uma festa em nossa homenagem e lembro que fui um dos encarregados de descer periodicamente à adega e encher os copos de vinho dos convidados. Claro que eu também bebia um pouquinho a cada descida e a soma desses pouquinhos resultou em sono profundo em meio à festa. Meu avô continuava trabalhando diariamente nas suas terras, enquanto estávamos lá. Saía cedinho e voltava quando já estava escurecendo. Umas duas vezes fui encarregado de levar-lhe a merenda – uma refeição feita no meio da manhã – e o almoço. Era longe, mas me colocavam na burra da família, davam-lhe um tapa na anca, diziam-lhe qualquer coisa e lá ia ela, direitinho, sem parar, durante quase uma hora, até avistarmos meu avô. Aquilo, para mim, era o máximo ! E se eu tentava mudar seu caminho, a burra empacava até que eu desistisse... e seguia para o lugar certo. O GPS dela era bem melhor que o meu...Na volta era igual: um tapa na anca, um grito e ela chegava à casa dos meus avós direitinho...Lembro ainda de ir à fonte – que dava nome à aldeia - onde as mulheres, quase todas vestidas de preto, de luto fechado, se abasteciam de água potável para suas famílias. Água que enchia grandes cântaros, transportados sobre suas cabeças. Outra recordação forte foi do dia da partida... Saímos de casa em carro de aluguel ainda no escuro e chegamos, ao amanhecer, a um largo com muitas barracas e umas poucas luzes, na junção com outra estrada maior. Era um grande acampamento de ciganos na entrada de Moimenta da Beira e minha mãe, cautelosa, pediu que o motorista do táxi esperasse até que chegasse o nosso ônibus de carreira e embarcássemos. Os ciganos – por preconceito ou por força da realidade – eram mal-afamados e minha mãe temia que alguma coisa errada nos acontecesse. Tive muito medo até que o ônibus chegou e partiu em paz. A Fonte Arcada do após-guerra deixou-me a impressão de pobreza, de condições duríssimas de vida... Era parte daquele Portugal dos emigrantes à força, empurrados pela fome e pela miséria....Mas é conveniente enfatizar que hoje Fonte Arcada é considerada uma das mais lindas aldeias de Portugal, por causa de seu majestoso patrimônio arquitetônico (ver FONTE ARCADA in “As Mais Belas Vilas e Aldeias de Portugal”, pág. 82, Editorial VERBO, Lisboa, junho de 1996).

5 comentários:

  1. Uma bela narrativa de teus importantes momentos. Nota-se como uma formação familiar consistente pôde construir o perfil de um lider que confia naqueles a quem delega responsabilidades.

    Grande abraço.

    Haroldo Ledo.

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  2. Excelente texto sobre Fonte Arcada!!!
    Estive nas duas aldeias e posso assegurar que é impressionante a força do trabalho de seus habitantes em meio às adversidades e poucos recursos naturais de que dispõem por lá...
    Aqui não damos valor ao imenso potencial de nossas terras, uma pena...
    O que mais me chamou a atenção nas viagens de carro pelas aldeias portuguesas, dentre outras coisas, foi o aproveitamento de qualquer minúsculo pedaço de terra para plantio de alimentos; em pequenas casas, mínimos canteiros cobertos por pés de couve,tomate, etc. sempre sob os cuidados das senhorinhas de preto, com lenços na cabeça, meias pretas enormes cobrindo-lhes as pernas, foice na mão para qualquer necessidade de limpar o local... Pode parecer um quadro triste, mas é a Vida que levam da melhor maneira possível...

    Cláudia

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  3. Agradeço os comentários generosos do amigo Haroldo e o testemunho de minha filha Cláudia. Recebi o legado precioso da "cultura do trabalho" de meus humildes pais, camponeses de origem, e felizmente pude transmitir a minhas filhas esse traço de caráter tão positivo de nossos antepassados. Arlindo

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  4. Oi Arlindo

    O meu silêncio aqui no blog não significa que estou ausente.

    Pelo menos duas vezes por semana eu passo por aqui e confesso que o que mais gosto são as suas memórias de infância e de juventude.

    Eu as acompanho como se fosse uma série em pequenos capítulo. Fico esperando o que vem depois.

    Você é um excelente contator de histórias e fico encantada de como você lembra de detalhes.

    Dá para perceber como você aproveitou e se enriqueceu com as experiências vividas.

    Para onde vamos no próximo capítulo?
    Um grande abraço
    Adélia

    PS. O ano passou rodei por muitos lugares em Portugal e pude comprovar: é uma terra linda

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  5. Grato, Adélia, pela sua atenção, que muito honra meu blog. O que eu gravei do passado, foi função da emocionalidade que cercou cada acontecimento e da impressão maior ou menor que esses fatos me causavam. Minha mãe tinha boa memória, a Cláudia tem também e acho que é de família, o que ajuda muito, porque eu nunca registrei nada do que vivi, tenho poucas fotos, mas ainda assim me lembro de muitas coisas. O blog está ajudando a reviver muito do meu passado. Grato. Arlindo

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