quarta-feira, 7 de abril de 2010

INTERVENÇÃO ESTATAL NA PRAÇA DOS SONHOS

1.PRAÇA GENERAL OSÓRIO – O centro nervoso de Ipanema gira em torno da Praça Nossa Senhora da Paz. Mas nem sempre foi assim. Talvez pela proximidade com Copacabana, o bairro mais importante da Zona Sul, a Praça General Osório (antiga Praça Floriano Peixoto) era o polo comercial de Ipanema nas primeiras décadas de sua ocupação,. Em volta dela e nas suas proximidades estavam as padarias (Brasil e das Famílias); o Velo Esportivo Helênico (clube de ciclismo); os colégios (Fontainha, Guanabara e mais tarde o Mello e Souza feminino e a escola pública José Linhares); os bares (Renânia e Ipanema); o armazém chique (Casa Osório); a tinturaria (Geisha, do Seu Oushida); a banca de jornais (do Chico) em frente ao ponto do bonde; as papelarias (Casa Mattos e Casa Umary); os bilhares (Moderno, onde hoje é o Supermercado Zona Sul); os armarinhos e lojas de confecções (Casa Madame Rosa, Casa Miro); as sapatarias (a Renomé, do Seu Adolfo e a Futurista); a bela Confeitaria Pirajá e o saudoso Cinema Ipanema. Fator importante de progresso, a linha de bondes há anos já havia sido retirada da praia – que ganhara duas pistas, com um canteiro central – e passara para a Rua Visconde de Pirajá (antiga Rua 20 de Novembro). Na Rua Teixeira de Melo, posteriormente, ficou o ponto final do bonde 14, que entrava até um rodo na Rua Barão da Torre e fazia o retorno para Copacabana e Botafogo. Muitos dos boêmios do bairro se reuniam no Renânia (depois chamado Jangadeiros) e no Café e Bar Ipanema – que não fechava nunca - para varar a madrugada, bebendo e falando mal do governo ditatorial de Vargas até o nascer do sol lá pelos lados do Arpoador, atacando os olhos de toda aquela fauna de notívagos. Contava-se que Chico Brito, boêmio famoso de Ipanema, certa madrugada, em plena Praça General Osório, aos berros, urinara no retrato de Getúlio Vargas, que retirara à força de uma casa comercial das vizinhanças. Na ditadura, todos os estabelecimentos eram obrigados a ostentar o retrato oficial, devidamente emoldurado, do Presidente, só retirado em 1945, quando o Estado Novo teve fim. A praça era notável pelo Chafariz das Saracuras, uma obra do Mestre Valentim, feita em 1795, ainda no Brasil Colônia e que para lá foi transferida em 1917, do Convento da Ajuda, no Centro. O nome devia-se a ter a bacia de cantaria ornamentada por quatro tartarugas e quatro saracuras de bronze, depois substituídas por suas réplicas. A Praça era bem arborizada, com muitas amendoeiras, ficus arbustivos e quatro grandes gramados laterais, um em cada esquina. Foi neles que os garotos de Ipanema como o Walter Clark, o Geraldinho, o Alfredo Ferrugem e muitos outros, como eu, deram seus primeiros chutes, no futebol quase diário, sempre perseguidos pela DGI (sigla, creio, de Delegacia Geral de Investigações) - a polícia motorizada que confiscava nossas bolas, pelo crime (???) de praticarmos o esporte bretão em um parque público. Havia outras forças policiais no Rio de então: a Polícia Municipal, de farda cinzenta; a Polícia Civil, de farda verde e a Polícia Especial, que funcionara como Polícia política de Getúlio Vargas, chefiada por Eusébio de Queirós e subordinada diretamente a Filinto Mueller, formada por homens fortíssimos, com seus chapéus vermelhos, chamados sempre que a confusão era grossa. A comunidade ainda mantinha a Guarda Noturna, com seus apitos, para fazer rondas quando caía a noite. Mas só a DGI reprimia nosso futebol. Não parecia ter muito o que investigar, numa cidade então pacífica e ordeira. Corríamos muito e eles surgiam do nada, em suas camionetes sorrateiras, para conseguir ficar com a nossa bola (essa, a punição pelo crime). Missão muito difícil – eles não eram muito “bons de bola” nem de corrida. Isso tudo acabou quando a Prefeitura resolveu fazer uma reforma radical na Praça General Osório. Até então, de dia, os grandes frequentadores da Praça éramos nós, os garotos das casas e colégios vizinhos, que andávamos de bicicleta e brincávamos por lá. Havia também a turma de rapazes mais velhos, que jogavam bola na praça: Rubens Japonês e seu irmão Silvio Borboleta, filhos do Seu Oushida da tinturaria, Sanny, Toninho Barriga, Cesário, Bigodinho, os irmãos Seabra, meu primo Zeca Paes e muitos outros. A noite, é claro, a praça muito escura era dos casais de namorados. Menção especial para os Fuzileiros Navais, também muito visíveis em Ipanema, com sua farda vermelha e seus gorros com fitinhas pretas - namoradores prediletos das empregadas domésticas e que costumavam se meter em brigas memoráveis. A reforma da Praça deve ter custado caro: tudo foi remexido, fizeram lagos, espelhos d’água, canteiros, plantaram arbustos novos e acabaram com os gramados e o nosso futebol. Parece ter sido encomendado: uma pracinha diferente, sem grama, sem graça ... e sem garotos, é claro. Para ver e não para usar. Raramente voltamos lá, depois disso... A reforma da Praça General Osório, creio que no fim dos anos 40 ou início dos anos 50, pecou pela mesma razão pela qual se frustram muitos projetos brasileiros: falta de sintonia com o povo, os usuários, os principais interessados. Planos de escritório, de burocratas desinformados e despreparados. Rios de dinheiro gastos para nada, ou pior: para descontentar a população. A perda da General Osório marcou todos os garotos do bairro. Muitos anos depois, quando o Walter Clark dirigia a TV GLOBO e eu era Presidente do MOBRAL, almoçávamos com o Boni, no Restaurante Panelão, no Leblon, e comentamos aquele episódio. Ele o sentira exatamente como eu. O interessante é que essa grande frustração me inspirou, no MOBRAL, para a adoção de uma metodologia de consulta à população antes da intervenção governamental - presumivelmente sempre em seu favor e que nem sempre o é, pelo desconhecimento das autoridades em relação às realidades locais. Quem conhece a comunidade é quem mora nela – base lógica do chamado planejamento participativo, assentado nas aspirações e opiniões das populações residentes. No MOBRAL, o povo passou a participar e ter a palavra decisiva nos seus planos a nível municipal, a partir do PRODAC – Programa de Desenvolvimento e Ação Comunitária. Mas na Praça General Osório a garotada não teve vez. De qualquer modo, só de lembrar que meus pais se conheceram em frente ao chafariz de pedra que evocava as fontes das suas aldeias de origem e que ainda lá está, só isso dá idéia da magia da Praça para mim. 2.DIREITOS NEGADOS – Estarrecido, percebi através de dois noticiários diferentes que os agentes totalitários estão mais ativos do que nunca, vigiando a sociedade brasileira e atacando qualquer demonstração de exercício da liberdade que possa impedir sua marcha para a ditadura mais torpe. A manchete, apresentada como se retratasse um grande escândalo nacional, era mais ou menos assim: “Escolas particulares utilizam apostilas que não passaram pelo crivo do Ministério da Educação”. O que está subentendido nessa manchete é que o MEC deve censurar a educação recebida por nossos filhos na rede privada de ensino. Um absurdo total, uma visível preparação para que a população entenda como normal esse tipo odioso de censura. E nossas liberdades individuais e de nossas famílias, onde ficam? Claro que o material didático de nossas escolas não deveria mesmo receber a crítica de qualquer órgão governamental, pois os pais e a opinião pública são as instâncias legítimas para fazê-lo. Paradoxal que os meios de comunicação são unânimes em defender a liberdade de imprensa e repelir qualquer tentativa de censurá-la. Mas quando se trata de Educação, esses mesmos meios se omitem ou agem ao contrário. Hipocrisia, vergonha e totalitarismo !

4 comentários:

  1. Oi, Arlindo!

    Sem muitas delongas, sempre achei esta divisão de esquerda e direita uma grande bobagem. Qualquer político sério e consciente irá querer parao seu povo as melhores condiçoes de vida.
    Só que na verdade nem a "direita" e nem a "esquerda" fazem o que deveriam.
    Muito bom seu artigo. Parabéns,
    Ana

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  2. Ana: Grato pelo comentário e pela força oa meu blog. Arlindo

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  3. Essa Ipanema não vivi, mas por ela passava. Morava em outra "aldeia" como ela, o Leblon. Gostoso rever histórias do Rio. Tenho um blog, o RIO QUE MORA NO MAR -http://rioquemoranomar.blogspot.com, onde também falo de saudades e coisas cariocas. Quem me falou de seu blog foi um amigo comum, Sergio e ao ler no seu texto sobre o MOBRAL, me surpreendi como os caminhos se cruzam: fiz estágio de um ano,na sua gestão, no setor de Programação Visual, em uma linda casa na Ladeira do Ascurra. Interessante coincidência!
    Abs,

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  4. Beth: agradeço seu comentário e creio que me lembro de você, porque trabalhávamos na mesma casa, na Presidência do MOBRAL. É um prazer tê-la como leitora e vou agora mesmo ao seu blog...Abraços. Arlindo

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